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Pode um mastro contar a história do artista que a ele se dedicou?

Artes

Na próxima sexta-feira, dia 12 de novembro, a sala principal do Teatro Aveirense recebe “Une Partie de Soi”, um espetáculo de circo contemporâneo do conceituado acrobata de mastro chinês João Paulo Santos.

Apesar de não ver este espetáculo como “uma narrativa autobiográfica”, João Paulo admite que este “Une Partie de Soi” surgiu da vontade de partilhar “uma parte de si”, da sua história. “O que me levou a construir este espetáculo foi o meu percurso pessoal e artístico com o mastro chinês, o aparato que desenvolvo há mais de vinte anos”, começa por explicar o artista lisboeta radicado em França. “É uma espécie de parábola da vida, com os seus altos e baixos, entre o momento em que se nasce e o momento em que se desaparece. De uma forma abstrata, o movimento do corpo relata a história, numa dimensão em que quase se esquece a atração terrestre e o tempo que passa”. “A partir do momento em que toco no mastro, fico suspenso, sem tocar no chão, durante aproximadamente trinta minutos”, garante.

Em “Une Partie de Soi”, toda a ação é “deliberadamente mais lenta” do que é habitual na linguagem acrobática característica do circo e, de uma forma especial, do mastro chinês. No alto do mastro, os movimentos que João Paulo desenvolveu parecem filmados em câmara lenta, como se o artista estivesse dentro de água, transmitindo uma leveza invulgar e hipnótica. Importa, ainda assim, sublinhar que estes movimentos propositadamente lentos são também tecnicamente mais complexos, ainda mais quando o acrobata se propõe estar suspenso ininterruptamente, sem tocar o chão, durante praticamente todo o espetáculo. “É uma proeza física em que o corpo luta contra os seus próprios automatismos. Foi uma aprendizagem que eu tive de fazer, um trabalho de raiz para criar matéria nova no mastro”.

No Teatro Aveirense, o espetáculo – que já foi apresentado em França na sua versão ao ar livre – vai desenrolar-se numa lógica circular e de proximidade, com o público a toda a volta do aparato e a escassos metros da ação. “O cenário é muito simples: um mastro com pessoas à volta. É um espetáculo muito íntimo, com as pessoas em palco, muito próximas de mim, a partilhar aquele momento de suspensão”, avança, explicando que “além dos movimentos, vai haver uma leitura da emoção, da transpiração, da evolução do corpo e da expressão física à medida que são confrontados pelo esforço, coisas que não se leem tão bem quando há aquela fronteira entre um palco e uma plateia. Este cruzar de olhares do artista circense com o público e do público consigo mesmo – porque vai estar a ver-se a si próprio, como num espelho – são elementos que, juntos, criam uma atmosfera especial”, reitera.

No texto que serve de apresentação ao espetáculo, João Paulo Santos assegura ser o homem que é graças ao mastro chinês e faz questão de referir que “o tempo permitiu-me aprender a domar o mastro, mas é também ele que vai apagar tudo o que aprendi”. As palavras parecem soar a despedida, mas poderá o tempo comprometer esta dupla formada pelo acrobata e pelo seu aparato? João Paulo admite “uma despedida simbólica”, mas prefere encarar este espetáculo e esta fase do seu percurso artístico como “uma possibilidade de renascer”. “A forma como o meu corpo aborda o trabalho no mastro não é a mesma de quando eu tinha 25 ou 30 anos. Há uma série de bagagem que faz parte do meu repositório com este aparato que vai ficar para trás, mas abrem-se novas portas”.

Aquando da sua licenciatura no Centro Nacional de Artes do Circo de Châlons-en-Campagne, em França, João Paulo Santos sofreu uma lesão no ombro. Na altura, este infortúnio não só fez com que o aspirante a acrobata tivesse de ser submetido a uma intervenção cirúrgica como o impediu de praticar a sua arte por dois longos anos. Uma experiência marcante que o terá ajudado a perceber, logo desde cedo, as limitações inerentes a quem se propõe a ter no corpo o seu instrumento de trabalho e veículo de expressão física e dramática. Para João Paulo, o corpo é o parceiro de jogo que, gradualmente, vai assumindo o comando, obrigando o artista a percorrer o caminho de uma forma diferente e, de certa forma, a adaptar-se a si mesmo. “É uma questão que eu aceitei desde início: vivemos da energia do nosso corpo e quando o nosso corpo não pode, pára tudo. Estabeleci este contrato comigo próprio sabendo perfeitamente que ia chegar o dia em que essa questão teria de ser abordada e em que o mastro deixaria de ser o meu parceiro”.

Com um percurso de duas décadas dedicadas ao mastro chinês, João Paulo não teme a vertigem de se suspender num aparato que se ergue a seis metros do chão, nem o abismo de uma queda acidental. O receio, confessa, “passa mais pela possibilidade de chegar ao ponto em que deixo de ter a capacidade física de fazer o meu trabalho sem que me tenha preparado para esse momento”. Por um lado, com a inevitável passagem do tempo, adensa-se “o risco real de contrair uma lesão”. Por outro, o artista de 43 anos tem como regra de ouro só se apresentar em palco enquanto estiver em plena posse das suas capacidades físicas. João Paulo compara mesmo a sua realidade à de um futebolista profissional: “é comum haver um momento na carreira de um jogador de futebol em que ele ainda consegue correr, ainda quer jogar à bola, mas já não é capaz de manter o nível necessário para estar nos grandes palcos”. Na vida de um acrobata, o cenário não é muito diferente. “Eu ainda tenho vontade de defender o meu trabalho com o meu corpo e com o meu suor, mas tenho noção que, fisicamente, não vou poder fazer eternamente aquilo que faço hoje em dia. Sei que há uma transição que vai operar-se irremediavelmente e quero antecipá-la ao máximo. Quero poder ser eu a escolher esse momento”, partilha, acabando por sugerir que, uma vez terminada a carreira como performer, o seu futuro pode passar pela encenação. “A vantagem é que, tal como um jogador de futebol se pode tornar treinador, um artista pode reutilizar o seu conhecimento e passar a transmitir a sua visão através de outras pessoas, projetando as suas ideias através dos corpos de outros, em vez de ser ele a estar em palco”.

Por ora, é tempo de deixar sair o que João Paulo tem dentro de si, deixar que o seu corpo conte mais esta história, usufruindo uma vez mais da técnica e da arte que a dedicação e o tempo lhe trouxeram e da verticalidade que lhe é tão familiar.

Os bilhetes para a estreia internacional em sala de “Une Partie de Soi” estão à venda no Teatro Aveirense e em ticketline.sapo.pt.
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