Tem 52 anos, é natural de Santa Maria da Feira, e há já 22 anos que trabalha como programador cultural. José Pina é diretor do Teatro Aveirense e colabora com os serviços municipais na gestão e programação culturaldo município. É também um dos principais rostos da direção e gestão do Festival dos Canais, bem como na gestão da candidatura de Aveiro a Capital Europeia da Cultura 2027.
Em entrevista à Aveiro Mag, José Pina fala sobre a gestão que teve de fazer, juntamente com a sua equipa, das condicionantes motivadas pela pandemia de Covid-19 e como tem vivido este regresso à atividade.
Conta com mais de 20 anos de experiência como programador cultural, mas nunca passou por um momento semelhante a este, da pandemia de Covid-19...
Ninguém tinha passado por um momento como este, com um corte abrupto na programação, nas dinâmicas de trabalho. De repente, estamos out daquele que é o nosso contexto diário. Tivemos de adiar as atividades programadas, viver a incerteza de não sabermos quando poderíamos voltar à ação, a encontrar o nosso público, e o receio em relação à duração deste período.
Um espaço que trabalha a programação cultural, trabalha com uma certa perspetiva no tempo e a verdade é que tudo aquilo que eram meses e meses de trabalho ficaram, de repente, condicionados. E a dúvida era: quando é que será o dia zero e em que condições é que vamos poder retomar a atividade.
O Teatro Aveirense (TA), ao contrário de outros equipamentos culturais vizinhos, não apostou, durante o período de confinamento, numa programação online. Foi uma opção?
Foi uma opção construída com base em duas fundamentações. A primeira é que, quando sentimos que tínhamos que encerrar e repensar todo o nosso trabalho, o nosso foco foi: temos de preparar o futuro, garantir que no dia em que nos fosse permitido voltar a abrir estaríamos em condições de o fazer. Cumprindo todas as normas de segurança, para os espetadores, equipa e artistas, mas sem descaracterizar aquilo que é o projeto do Teatro Aveirense.
Depois, a segunda fundamentação reside no facto de nós sermos favoráveis aos conteúdos digitais, transmitidos online, e até já tínhamos essa presença prevista, mas entendemos que ela tem que acontecer em moldes técnicos que transmitam ao público aquilo que realmente é essa cultura online e digital. Percebemos essa vontade, quase necessidade, de manter essa relação com o público dos equipamentos, mas o pior que se podia fazer era a estar dar conteúdos em condições técnicas que não fossem as melhores e que pudessem desvirtualizar aquilo que é o conteúdo artístico e a interpretação do público.
Por outro lado, esta questão da cultura online tem um lado que pode ser perverso. Se ela é gratuita, estamos a habituar o público a um mau hábito; a cultura tem um valor.
Mais ainda: nós sempre privilegiámos essa questão da experiência de vir a uma sala de espetáculos, porque ela congrega em si um outro conjunto de condicionantes que não é só fruir o momento artístico.
Abriram logo no dia 1 de junho e foram dos primeiros a abrir portas, sem ter ninguém, na frente, por onde pudessem copiar. Como é que foi gerir este processo?
Fomos trabalhando muito, através do Skype e do Zoom, em equipa, e também tive a oportunidade de trocar ideias com alguns colegas programadores. Reinava, e ainda reina, uma grande incerteza sobre a forma como abrir. As normas para a abertura surgiram quase em cima da hora e a nossa opção foi manter o timing previsto para a abertura, com um espetáculo no dia 6. Nessa fase, havia um mix de sensações: a adrenalina de voltar a abrir, de rever o público e os artistas, mas a incerteza de como é que o público ia reagir.
Muitos colegas meus, achavam que não íamos abrir, que iríamos reverter a situação, por força dessa grande incógnita. E o que é engraçado é que agora eles estão todos a abrir. Senti que existiam salas e colegas que estavam acomodados com a situação, não queriam correr riscos. Mas a partir do momento em que o Teatro Aveirense anunciou que ia abrir, e em que outras salas, sobretudo na grande Lisboa, também começaram a programar, houve um acelerar da reabertura dos espaços. Se os teatros continuassem fechados, o setor não funcionava, entrava em colapso.
Enquanto teatro municipal, ou seja equipamento público, o TA tinha de contribuir para a retoma da atividade cultural?
Moralmente, sentíamo-nos obrigados a isso. Se não o fizéssemos, as companhias, os técnicos, as empresas que trabalham para este setor, entravam em colapso. Aquilo que é a dinâmica cultural é já algo muito relevante para uma determinada economia do país. A cadeia de valor já é grande e tem uma ramificação muito extensa.
Sendo os teatros municipais os principais agentes de promoção cultural no país, tínhamos que abrir, dar esse sinal e incentivo ao setor. Quando se fala em apostar na cultura como algo estratégico é nestes momentos mais difíceis que temos demonstrar essa convicção.
O primeiro concerto, de António Zambujo, esgotou rapidamente, motivando um segundo concerto. Como é que estão a procura para os restantes espetáculos?
Está a correr bem. Por exemplo, nas sessões de cinema de “Os Filmes das Nossas Terças”, estamos com uma afluência normal dentro daquilo que era a dinâmica do cinema. Outros projetos estão a andar a ritmo mais lento, mas o que temos sentido é que vamos ter uma relação normal com o público como a que tínhamos até ao momento antes do fecho. Com a sala condicionada a 50 por cento, é verdade, mas com normalidade.
A programação para os próximos meses é um reagendar dos espetáculos que tiveram que ser adiados ou são apresentações novas?
É um mix. O nosso critério foi reagendar os projetos que tinham sido adiados o mais rápido possível - mas houve alguns que não foi possível reagendar para agora porque também tiveram condicionamentos por força da Covid - e também agendar projetos novos, que não pusessem em causa aquilo que já estava agendado para outubro, novembro, dezembro e janeiro.
Já se sabe que em julho haverá Festival dos Canais, ainda que em moldes diferentes dos anos anteriores. O presidente da câmara já disse que se ia dividir por dois fins de semana...
Sim. Estamos a organizar o festival de forma a que ele cumpra as regras de higiene e segurança. Obviamente, vai ser uma edição que não é comparável às anteriores, mas houve a vontade da câmara municipal em manter a marca do Festival dos Canais e isso vai acontecer. Em breve, apresentaremos os detalhes da edição deste ano.
O Criatech passou a ter uma presença online, que está já a decorrer. É uma antecipação da edição deste ano?
Esta edição online acontece essencialmente por um motivo. O Criatech é um projeto que já tem alguns anos, que é estruturante nestas áreas da criatividade digital e que também é importante na relação com o projeto STEAM CITY. E já não é só um festival. É um projeto permanente para criar conteúdos e público nesta área, para apoiar o setor cultural e criativo que existe, e é nesse sentido que vamos ter no TA, durante o ano, alguns momentos que têm a marca Criatech, tanto online como presencialmente. É uma área da programação do teatro, uma área de investimento da parte da autarquia que é para continuar.
O TA estava a registar recordes de crescimento em termos de público. Por força da pandemia, 2020 não permitirá confirmar essa tendência. Espera, pelo menos, registar um crescimento qualitativo?
A nossa expectativa para 2020, se não fosse a Covid, era mantermos o mesmo registo dos últimos anos. Os dados que tínhamos do primeiro trimestre confirmavam precisamente isso, que estávamos dentro do padrão. Mas é óbvio que para nós, mais do que os números, é importante perceber a dinâmica do teatro. O TA passou alguns anos arredado daquilo que era o centro da dinâmica cultural da cidade e do município, perdeu também a sua relação com a região e o país, e nos últimos anos tínhamos vindo a retomar e a concretizar essas etapas. E o que mais nos preocupa é isso: manter esse posicionamento.
A câmara municipal já anunciou que irá lançar bolsas de apoio à criação artística. Como é que está esse processo?
Estamos agora a ultimar as normas e critérios de participação e depois haverá uma fase de candidatura. Mas já temos pessoas interessadas. Pessoas que nos ligaram a saber como é que vai ser feito e quem pode concorrer.
E tem mantido contacto com os artistas e estruturas artísticas de Aveiro para saber como é que eles estão a atravessar este momento difícil?
Temos mantido contactos e sente-se que há uma grande incerteza e receio sobre o que será o futuro imediato. Sabemos de pessoas que ficaram sem fontes de rendimento, mas não temos conhecimento de situações dramáticas. Conhecemos situações que estão a viver momentos de angústia e sente-se que o meio está com muita dificuldade.
O TA vai estar disponível para dar trabalho e espaço a essas pessoas?
O Teatro Aveirense e também o projeto que a câmara municipal apresentou no início do mês tem muito esse foco de envolver o setor criativo de Aveiro.
Há muito que se fala na necessidade de incrementar o diálogo e cooperação entre os responsáveis das várias salas de espetáculo da região. Agora, em tempos de retoma, com as salas reduzidas a metade, não era importante passar da ideia à prática?
Sempre defendi que esse diálogo era muito importante, não só para as salas como para o próprio público. E considerando que esta região tem sete salas com programação regular, esse diálogo é absolutamente essencial. O Teatro Aveirense foi, nos últimos anos, promotor de alguns desses encontros e sempre tentámos articular questões que favorecem as salas e o público. Mas eu percebo que possa haver perspetivas diferentes sobre esta questão e que as realidades não são iguais entre todos os municípios. Há projetos que têm equipas de tipologias e com graus de autonomia totalmente diferentes, com timings de decisão que não são os mesmos. Pela nossa parte, mantém-se a disponibilidade mas depende da vontade dos outros espaços, projetos e da sua governação.