Ana Martelo começou a fotografar aos 14 anos. “Tinha perdido o meu pai, era muito nova e precisava de me ocupar. A minha mãe, percebendo que eu gostava de imagem – naquela altura, interessava-me principalmente por design e já fazia alguns trabalhos de edição em Photoshop –, ofereceu-me a minha primeira máquina fotográfica”, conta Ana, em entrevista à Aveiro Mag. “Era uma Fujifilm FinePix”, recorda. Com a nova câmara, começa por fotografar “as coisas lá de casa: os gatos, as flores”, para, logo a seguir, sair à rua para captar locais, momentos e paisagens.
Por volta dos 16 anos, num período em que trabalhava em part-time no Adhoc’as Bar, junto à marina de recreio da Gafanha da Nazaré, foi desafiada a criar um portefólio fotográfico de inspiração marítima que pudesse ser exposto nas mesas de vidro daquele estabelecimento. “Aceitei o convite. Andei uns meses a visitar a Avenida dos Bacalhoeiros, atenta ao movimento das gaivotas e à luz do sol espelhada na Ria e fiz a minha primeira exposição”.
Desses primeiros anos de câmara ao ombro, não há muito mais que contar. “Fazia, essencialmente, fotografia de paisagem”, lembra, “e ia juntando dinheiro para comprar equipamento novo”. “Nesse tempo, ainda tinha a convicção que comprar máquinas ia fazer de mim melhor fotógrafa”, confessa. Cedo aprendeu, todavia, que, mais do que o equipamento utilizado, é o fotógrafo que conta.
À exceção de alguns workshops e cursos online, Ana nunca teve formação em fotografia. Quando entrou para universidade, apostou na licenciatura em TIC – Tecnologias de Informação e Comunicação –, na Universidade de Aveiro, convencida que aquele curso era “o futuro da formação em multimédia”. Uma série de reviravoltas, que haveriam de culminar na extinção daquela licenciatura, bem como um inesperado convite do Diário de Aveiro, terão contribuído para Ana não chegar a concluir o curso – mais tarde, viria a especializar-se em Gestão de Vendas e Marketing, no ISCAA. “Malta do Diário de Aveiro tinha encontrado um blog que eu tinha na altura, tinha visto o meu trabalho e convidou-me”, relata Ana, reconhecendo que aquela chamada “foi, antes de mais, uma surpresa”. Na entrevista de emprego, viria a descobrir que a intenção do jornal era contratá-la como fotógrafa para o suplemento de classificados. “Não era, exatamente, o que tinha imaginado, mas tinha de começar por algum lado”, aceitou e, em pouco tempo, já tratava também da paginação e design e ainda fazia atendimento aos anunciantes. “Foi um período que me deu muita estaleca”.
Nos anos seguintes, encarregou-se das reportagens de eventos como o Festival do Bacalhau, ao serviço do Município de Ílhavo, e da Feira de Março, trabalhando, dessa vez, para a câmara de Aveiro. Foi, aliás, na Feira de Março, que lhe surgiu o primeiro convite para fotografar um casamento. Daquela vez, ainda foi como segunda fotógrafa, mas o feedback dos noivos transmitiu-lhe a confiança e inspiração que precisava para decidir entregar-se ao ofício.
Desde aí – e já lá vão alguns anos – Ana Martelo tem-se dedicado a “fotografar pessoas”, sendo que os momentos de reunião e celebração em família – como casamentos e batizados – continuam a ser aqueles que mais vezes tem a oportunidade de acompanhar.
Quando se fala em fotografias de casamento, o imaginário coletivo ainda lhes associa um estereótipo muito específico: são sobretudo fotos de pose, todas muito parecidas, em que o casal se mantém quase estático e os familiares e amigos se vão revezando. “É como se houvesse uma máquina de senhas e as pessoas se organizassem em fila à espera da sua vez para serem fotografados com os noivos”, ilustra Ana Martelo, em tom de brincadeira. Nestes registos mais tradicionais, o cenário é quase sempre o mesmo, as posturas são quase sempre rígidas e os sorrisos (quando os há) são quase sempre de natureza questionável. Pois bem, a proposta de Ana é diferente. “Tentamos sempre registar os momentos de forma natural. Estamos lá para contar uma história”.
Verdade seja dita, cada vez mais são os próprios noivos que, ao contratar um fotógrafo para o seu casamento, procuram um estilo e visão que se distanciem do estereótipo que descrevíamos no parágrafo anterior. Ana Martelo aprecia o trabalho criativo, mas a experiência obriga-a a defender uma solução de bom senso. “Alertamos sempre para o facto de alguns familiares, principalmente, os mais velhos, valorizarem esse tipo de registos mais tradicionais e poderem sentir-se tristes ou desconfortáveis caso os noivos se recusem a fazê-los”.
Além do cuidado e sensibilidade que Ana e a sua equipa sempre demonstram, os clientes – que, “por norma, acabam por tornar-se amigos” – admiram-lhe a agilidade e sensatez – “já nos disseram que parecemos ninjas nos casamentos” e “já houve padres, no fim da missa, a elogiarem a discrição com que fotografámos a cerimónia sem a perturbar” – e reconhecem-lhe qualidade e competência – recentemente, ao receber um pedido para fotografar um casamento nos Açores, Ana não conseguiu evitar a pergunta “Com tantos bons fotógrafos nos Açores, porquê nós?”. O casal, no entanto, tinha a resposta pronta e esta era clara e perentória: “Porque gostamos mais do teu trabalho”.
Por tudo isto, no mês de janeiro, a casamentos.pt – plataforma digital de apoio aos casais na organização da festa do seu casamento – atribuiu-lhe um Wedding Award. Este galardão destaca o serviço de fotografia de casamentos de Ana Martelo como um dos “mais recomendados e melhor avaliados pelos casais no último ano” no distrito de Aveiro. É um prémio para a “relação qualidade/preço, a resposta, o profissionalismo e a flexibilidade”, demonstrados pela jovem fotógrafa e pela sua equipa.
Além dos casamentos, Ana Martelo organiza vários tipos de sessões fotográficas a pensar nos casais, nas famílias e na celebração de bons momentos em conjunto. As sessões de solteiros, por exemplo, são ideais para conhecer os casais antes do dia do casamento. Trata-se de um registo diferente de uma relação a dois, com mais tempo e mais espaço para explorarem a sua história em comum, o que os une e o que os apaixona, antes do grande dia. Há também as sessões de maternidade, nas quais o foco está na vivência dessa fase mágica para a vida do casal que é a gravidez. Ana Martelo propõe-se ainda à realização de sessões em família, nas quais pais e filhos de todas as idades podem viver um momento só seu, deixando-o eternizado para memória futura. “O objetivo é que aquela família chegue ao final da sessão a achar que foi a melhor tarde dos últimos tempos. Porque se riram de forma diferente do habitual, porque falaram de coisas que nem sempre vêm à conversa, porque tiveram um momento em família que, com a azáfama do quotidiano, por norma, não conseguem ter”, resume Ana Martelo. Salvo uma ou outra exceção, estas sessões realizam-se ao ar livre. Na escolha do local ideal, há vários fatores a ter em consideração, mas o mais importante é “que a família se sinta o mais à-vontade possível”. Ana Martelo costuma recomendar zonas de floresta, praias pouco movimentadas ou zonas urbanas descentralizadas. Felizmente, garante Ana, na região de Aveiro não faltam cenários acolhedores e fotogénicos, capazes de servir de cenário para memórias a não mais esquecer.
Há um motivo forte para Ana Martelo insistir na importância da fotografia enquanto registo de memórias e de momentos: “Eu devo ter, no máximo dez fotografias, da minha infância. Com o meu pai, são só duas”, lamenta Ana. Apesar de reconhecer que, por comparação aos dias de hoje, em que todos andamos com uma câmara fotográfica no bolso, naquele tempo, o acesso a equipamento de fotografia era muito mais limitado, confessa que “gostava que alguém tivesse pensado nisso e tivesse arranjado forma de deixar mais registos”. “A minha ânsia de fotografar pessoas e de lhes deixar memórias imortalizadas em fotografias vem muito daí”, afirma. “Até podes continuar a recordar aquela pessoa ou o que sentiste quando viveram determinado episódio em conjunto, mas, com o tempo, acabas por trair-te a ti próprio. Esquecer é um mecanismo natural contra o qual é muito difícil combater se não tiveres registos que sirvam como lembrete”, elabora a fotógrafa.
Com uma equipa de três (que pode, num futuro próximo, vir a alargar-se), Ana Martelo pode dar-se ao luxo de dizer que não investe em publicidade. O “passa-a-palavra” continua a ser a principal forma de divulgação dos seus serviços. “Crescer é uma ambição, claro, mas tem de ser com calma. Se começam a aparecer muitos clientes, começamos a não dar conta do recado ou a descurar a qualidade dos serviços. Prefiro caminhar aos poucos, sem pôr em causa a capacidade de resposta”, observa.
Além disso, há que destacar outros negócios que a jovem desenvolve em paralelo, desde logo, uma agência de comunicação em que ali a sua paixão pela fotografia e pelo design à publicidade, relações-públicas e redes sociais – especialidades da sua sócia, Inês Canteiro. Quando apareceu, em 2018, a Meio Trevo – assim se chama esta agência de comunicação – começou por trabalhar, essencialmente, com clientes das áreas de hotelaria e restauração. Nas fases mais complicadas da pandemia, não tiveram mãos a medir no apoio aos restaurantes que abraçavam a necessidade de se reinventarem com alguma apreensão e precisavam – talvez mais do que nunca – de comunicar eficazmente.
Porquê Meio Trevo? “O trevo é um dos símbolos da sorte, mas ninguém consegue lançar um negócio só com sorte. É preciso uma pitada de sorte, um meio trevo. Além disso, como se costuma dizer, ‘a sorte dá muito trabalho’ e, neste projeto, éramos duas a trabalhar para o mesmo objetivo, duas metades que procuravam alcançar a mesma sorte, o mesmo trevo”, resume. “Escolher um nome para um negócio nunca é uma tarefa fácil”, alertam Ana e Inês no site da Catorze, uma papelaria online que abriram em 2021 e cuja designação, como não poderia deixar de ser, também têm uma história associada. Tal e qual a Quadro&Meio – outro dos negócios desta dupla – uma marca de presentes personalizados criada em 2019, que começou por vender quadros, mas, desde logo, quis deixar em aberto a possibilidade de vir a alargar a oferta a recordações de outras tipologias.
Se os nomes com que batiza os seus projetos têm sempre um conceito ou história associada, o que dizer do pinguim, o animal que Ana Martelo entendeu adotar como imagem de marca do seu serviço de fotografia de casamentos e famílias? “O pinguim é dos poucos animais na natureza que é monógamo. Quando escolhe um parceiro, é para toda a vida. Isto, para mim, é a representação de um casamento”, explica a fotógrafa, subindo a manga direita para revelar uma delicada tatuagem onde figura a ave marinha. Desde criança que Ana é “completamente apaixonada por pinguins”. Em boa parte, admite, pelo facto de ter tido um pinguim como animal de estimação – o pai, marítimo de profissão, trouxera-lhe “um pinguim supersimpático”, que recolhera nas redes ao largo da costa africana. Ora, quando chegou a altura de criar a sua marca de fotografia de casamentos e famílias, não hesitou em associar-lhe o animal que tem como símbolo maior da fidelidade e do compromisso.
Até aqui, temos vindo descrevê-la como fotógrafa, mas neste último parágrafo fazemos questão de lhe associar outro epíteto: empreendedora. Aos 36 anos, e a acrescentar a todos os projetos e iniciativas de negócio que estão ou já estiveram sob a sua alçada, diz-nos andar a matutar noutra ideia: “Gostava de apostar na área da mentoria e ajudar outros fotógrafos. Há muitos fotógrafos que são tecnicamente irrepreensíveis, mas que depois não sabem vender o seu trabalho. Gostava de poder falar-lhes abertamente sobre este mercado e disponibilizar formação nas áreas do marketing e da gestão de carreira”.
*Fotos: Ana Martelo