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Mónica Ribau: a poesia de quem nasce todos os dias

Literatura

“Para poeta... tenho palavras a mais

Para cientista... perguntas indecentes

Para filósofa... não li os manuais

E para mim, nunca serei suficiente”

 

Mónica Ribau em “Não nasci ontem, pensava eu”

 

Jornalista. Filósofa. Cientista. Poeta. Mónica Ribau encerra em si todas estas personalidades. Veste-lhes a pele, observa o mundo pelos seus olhos, vive-lhes as angústias e celebra-lhes os ofícios. “São como os meus heterónimos”, explica, em entrevista à Aveiro Mag. “Cada uma delas, à sua maneira, investiga a verdade e o propósito da existência. As perguntas são as mesmas, os processos para alcançarem as respostas é que são diferentes” e a Mónica interessa-lhe experimentá-los a todos. Ainda assim, e segundo a própria, é na pele de poeta que se sente “mais completa”. “Não nasci ontem, pensava eu”, publicado no passado mês de abril pela Cordel d’Prata, é a sua obra de estreia.

Mónica Ribau tem o atrevimento de quem é capaz de fazer qualquer pergunta e a astúcia de quem não se contenta com qualquer resposta. É dona de um espírito incansável e aguerrido, mais frágil quando se deixa assoberbar, mas vigoroso quando a realidade assim obriga. Vê na verdade um desígnio, na incerteza um desafio, no planeta uma missão e na poesia um escape. Não esconde os temas que a entusiasmam, as insatisfações que a afligem e os impasses que a aborrecem, mas prima sempre pela empatia e bom humor. É uma daquelas pessoas com quem daria gosto conversar até faltar assunto, mas numa entrevista de uma hora e pouco isso nunca esteve sequer perto de acontecer.

 

Jornalista, filósofa, cientista

Mónica Ribau decidiu tornar-se jornalista depois de ler “A República”. Na ânsia de alcançar a verdade, convenceu-se que o jornalismo era a chave para se libertar da correntes e, por fim, abandonar a escuridão da caverna platónica onde reinam a ignorância e o conforto. A vida desmontou-lhe a visão exaltada que tinha da profissão, mas não conseguiu desmotivá-la da busca pela verdade. Licenciou-se em Comunicação Social, com especialidade em Jornalismo, na Escola Superior de Educação de Coimbra, passou pela rádio e depois pela televisão.

De filósofa, Mónica tem “a mania de pensar demais”. Pelo menos, é o que garantem os amigos mais próximos. Já no que concerne à ciência, o “ponto-chave” foi a visualização do documentário “Uma Verdade Inconveniente” (2006), onde Al Gore, antigo vice-presidente dos Estados Unidos, revelava dados impressionantes sobre os impactos das alterações climáticas no planeta e alertava para a urgência de uma mudança de paradigma a nível global. Mónica, que crescera à beira-Ria, na Gafanha de Aquém, impressionou-se com as potenciais consequências que a subida do nível médio das águas do mar teria para a região que se habituara a chamar lar. Não devia ter mais de 14 anos, mas logo prometeu não baixar os braços. Com o tempo, a pressa e esperança foram evoluindo para um certo pragmatismo impaciente. O ímpeto de agir, esse, nunca se esvaiu.

Numa altura em que “os jornalistas de ciência ainda eram vistos como os cromos das redações”, Mónica Ribau decidiu que haveria de se dedicar à promoção da literacia científica e à comunicação de ciência. Fez mestrado em Gestão e Políticas Ambientais na Universidade Nova de Lisboa, concluiu uma pós-graduação no Brasil e voltou para trabalhar como investigadora na área da literacia oceânica e processos de participação pública. Teve a oportunidade de participar na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2016, em Marraquexe (Marrocos), que coincidiu com a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, vivendo de perto aquele período de contrariedades e sobressalto. Agora, está a terminar o doutoramento em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável.

 

A poeta

Mónica Ribau é poeta desde o momento em que aprendeu a ler e a escrever. O exercício de descarregar para uma folha em branco as inquietações que a sufocam tem um poder curativo. Alivia-a e renova-a. Para Mónica, escrever tanto pode resultar de um impulso do momento – e aí rabisca pedaços de guardanapos, folhas de papel higiénico, o que estiver à mão – ou provir de várias horas de um jogo de palavras, métricas e melodias.

A poeta não poupa elogios aos professores de Português que a acompanharam ao longo dos anos – “Todos temos talentos e aptidões naturais, mas nalgumas fases da nossa vida precisamos de alguém que nos reconheça valor e nos incentive a continuar” – bem como a Ana Ramalheira, a professora que a ensinou a ler e a escrever. “Uma vez, a professora Ana deu-nos um tema e, como trabalho de casa, pediu-nos para escrever um texto. Eu escrevi um poema porque, já nessa altura, era o registo no qual me sentia mais à vontade. Mas no dia seguinte a professora não acreditou que tinha sido eu a escrever aquilo. Não me livrei do raspanete, mas jurei-lhe a pés juntos que tinha sido eu a escrever. Não percebia porque é que ela não acreditava”, partilha Mónica. Foi então que a docente terá proposto um tira-teimas: Mónica devia isolar-se durante uns minutos numa sala à parte e, com um novo tema em mãos, escrever um novo poema. “Assim, não restariam dúvidas de que tinha sido mesmo eu a escrever”, recorda. “Na altura, aquilo foi um misto de sentimentos”: por um lado, o receio de não ser capaz de cumprir com as expectativas e, com isso, ajudar a legitimar a injustiça daquela acusação. Por outro, uma vontade imensa de provar o que valia e vingar o poema que a condenara àquele embaraço. “Lá escrevi e a professora percebeu que os poemas, afinal, eram mesmo meus. A partir daí, foi a própria professora a incentivar-me a não mais parar de escrever”. Mónica chegaria a participar em vários concursos literários a nível municipal, regional e nacional, arrecadando diversos prémios e distinções.

Enquanto leitora, Mónica sempre preferiu os versos de Vinícius aos poemas de Sophia; aprendeu a apreciar Saramago – “O Conto da Ilha Desconhecida” é, provavelmente, o seu favorito – e também acabou por dedicar algum tempo a Hemingway; deu atenção ao trabalho de Bukowski e interessou-se pelo pensamento de Wittgenstein; Nietzsche ajudou-a a voltar à poesia depois de um período de bloqueio e afastamento que se seguiu ao falecimento do seu pai. A sua maior referência e inspiração, contudo, reside na personalidade fragmentada de Fernando Pessoa. “Conhecer Pessoa foi como encontrar um amigo”, compara a autora. “Fiquei maravilhada! Ali estava alguém que, como eu, escrevia através de várias personagens”.

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“As pessoas vivem obcecadas

com o medo de morrer.

E não entendem

que morrem todos os dias

Ele...

abriria espaço para as campas

de cada instante da vida.”

Mónica Ribau em “Não nasci ontem, pensava eu”

 

Quem nunca deu por si a atirar um “Deves achar que eu nasci ontem!” como resposta abespinhada a uma qualquer insinuação de ingenuidade? Pois bem, para Mónica Ribau, “todos nascemos e morremos todos os dias”. “A Mónica de hoje não é a mesma Mónica de ontem. Aquele ‘eu’ morreu. Acabou, enterrei-o. Está lá e quando eu quiser ir visitá-lo à campa leio o poema e constato que o meu ‘eu’ presente não é aquele”. Uma teoria de permanente fim e ressurreição que acabou por inspirar a expressão que dá título ao primeiro livro de Mónica: “Não nasci ontem, pensava eu”.

Aos 31 anos, porquê agora? “Porque, finalmente, tive tempo”, resume Mónica. “Sempre escrevi poesia, mas também sempre remeti a poesia para o fim da lista das minhas prioridades”. Até agora. “Uma bolsa de doutoramento obriga a uma certa solidão e eu aproveitei esse tempo comigo mesma para rever e compilar poemas”, relata. “O livro é uma coletânea de poemas que escrevi dos quinze aos trinta anos. Está estruturado por idades e creio que se nota uma evolução entre os primeiros e os últimos. Começa por mostrar uma adolescente que questiona o mundo e vai acompanhando os temas que marcam o seu crescimento – a morte, a dúvida, a rejeição, o primeiro namorado, a ânsia de ser do mundo, livre e independente, oposta à necessidade de ter um porto de abrigo, de aconchego e certeza”. “Vai ficando mais pesado”, admite Mónica, garantindo que “alguns poemas têm uma componente autobiográfica”, mas “outros não”. “A minha intenção não era que os leitores me vissem nos poemas, mas que, de alguma forma, pudessem identificar-se com eles”, esclarece.

“Não nasci ontem, pensava eu” está à venda no site da Cordel d’Prata e nas lojas online da Wook, da Bertrand e da Fnac. A primeira sessão de lançamento está marcada para o dia 20 de maio (sábado), às 19h00, na Fnac Aveiro. “Só espero que não jogue o Benfica e que o dia não esteja exageradamente soalheiro”, anseia Mónica, na esperança de uma sala bem composta para assinalar a sua estreia oficial enquanto autora publicada. Quanto ao Benfica, que se lhe sossegue o coração: só joga no dia seguinte, em Alvalade, com o Sporting. Já no que respeita ao tempo, mantém-se a incerteza. Há que esperar e ver.

Uma coisa é certa: depois deste primeiro livro, Mónica já tem nova publicação na calha – chama-se “Incha, desincha e passa - um guia para não morrer com incertezas” e reúne um conjunto de crónicas que a jornalista e investigadora escreveu para a SIC entre 2021e 2022 – e não pretende ficar por aqui. “Gostava de continuar a publicar”, se possível, experimentando “outros formatos – como o conto ou o romance – e imprimindo-lhes doses redobradas de “ironia e sarcasmo”, atributos que têm marcado a sua escrita nos últimos tempos.

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