Pode a força de uma comunidade e do seu associativismo ser maior do que o território por ela habitado? Sem sombra de dúvida que sim. Pelo menos, a olhar para o exemplo de Ancas, uma aldeia do município de Anadia que tinha tudo para viver de queixumes em relação às mudanças a que foi sendo sujeita. Deixou de ser freguesia, perdeu o posto médico, ficou sem a escola e também perdeu gente.
Sinais dos novos tempos que vamos vivendo, mas aos quais as gentes de Anca têm sabido resistir. Em grande medida graças ao esforço e empenho de um grupo de filhos da terra, que recusa cruzar os braços, e tem vindo a colocar Ancas no mapa cultural. Falamos dos dirigentes e sócios do Club de Ancas, instituição centenária - foi fundada em 1904 - que tem vindo a brindar a região e o país com vários eventos de referência. É o caso do Folk Ancas-Anadia, que decorre de 7 a 16 de julho, e serviu de pretexto a uma conversa com Artur Castro, dirigente da coletividade e um dos responsáveis pela programação que traz o mundo, através da dança e da música, até este pequeno recanto da Bairrada.
Bisneto de um dos fundadores da instituição, Artur Castro não esconde o peso da responsabilidade que os atuais dirigentes têm em mãos. Não só pela história do Club de Ancas, mas também pela missão que a associação tem de desempenhar numa aldeia que, “estando entre Aveiro e Coimbra, a 26 quilómetros da linha de costa”, não tem escapado à “desertificação social e envelhecimento da população”. “E o Club de Ancas acaba por tentar contrariar essa realidade”, realça. Como? “Temos três pilares de atuação: a componente social, para a população sénior, e depois a componente de desenvolvimento local, através das temáticas da sustentabilidade, do viver a ruralidade com algum gosto, para evitar a purga de jovens”, explica.
Artur Castro fala da dinâmica da instituição com uma boa dose de orgulho: “O clube sénior é único, os nossos idosos têm ginástica geriátrica, estímulo cognitivo, artes e ofícios. Conseguimos pôr pessoas com mais de 60 anos que nunca subiram a um palco a cantar e a tocar música. Depois, temos seções permanentes de teatro, uma escola de música, uma escola de dança e o cineclube”, nota. No meio de tanta atividade ainda cabem “projetos como a preservação do burro enquanto património cultural da nossa aldeia, a questão do edificado em adobe ou a proteção da lagoa do Paúl”.
Um festival não se mede pelo orçamento
Tamanho dinamismo leva a que a associação tenha atividade regular ao longo de todo o ano, brindando o público com alguns eventos que já dispensam apresentações, como é o caso do Bairrada Metal Fest, do Ah! Ah! Anadia Humor Fest e, claro está, do Folk Ancas-Anadia, cuja 15ª edição volta a apostar nas músicas do mundo, danças do mundo, mostra “Cinema na Eira”, oficina de férias Folk4Kids e residência artística “Ar da Aldeia”.
O artesanato, a gastronomia e os passeios de burros, continuam a ser ingredientes fortes do festival que, apesar de “ultrapassar a dimensão da aldeia em termos de público”, vive do voluntariado das gentes e dos amigos da terra. “Os grupos vêm a preços especiais, por consideração à dinâmica, alguns projetos são gratuitos”, reconhece Artur Castro, a propósito do festival que envolve um orçamento de cerca de 30 mil euros - ou seja, muito aquém dos valores apontados para os festivais que vão acontecendo, por esta altura, um pouco por todo o país. Com uma agravante: “Este ano houve um acrescimento de custos impressionante, em toda a logística, até a nível de refeições”, aponta.
Ainda assim, a qualidade do Folk Ancas-Anadia não sairá beliscada. “Estou muito contente com o cartaz deste ano. Temos grupos de vários países, nomeadamente Sérvia, Geórgia e Bolívia. Teremos também os Curcumbia, o projeto emergente “Voz-Quando-Foge” e de Itália vêm os “La Miseria Deluxe”, começa por destacar, vincando, ainda, os concertos de “G Combo”, “Kanuttheh e zanotti” e Rodrigo Serrão. Pode ficar a conhecer o programa detalhado na página de Facebook do Club de Ancas.