É natural de uma vila próxima de Amesterdão mas hoje, mais do que habitar na Beira-Mar, vive o bairro como seu, dizendo-se “mordomo auxiliar”.
Henk van Twillert divide-se entre o amor pela música e o ensino, enquanto saxofonista e professor de saxofone, combinando concertos com workshops e masterclasses em diferentes pontos do globo.
Este ano, não só completou 60 primaveras num concerto-surpresa que teve como palco a Igreja da Vera Cruz, como soprará também as 40 velas de uma carreira musical plena e muito sua, feita de inúmeros primeiros passos e de uma vontade palpável de nunca parar de aprender.
Crescer por entre notas musicais
Muito antes de se poder adivinhar que faria do mundo – e de Aveiro – sua casa, Henk van Twillert despertou na pequena vila de Spakenburg, no colo de uma família que respirava música. Os seus seis irmãos e duas irmãs tocavam os mais diversos instrumentos, desde órgão a clarinete, e o pai, que tinha aberto um supermercado e, mais tarde, um negócio de barcos, era exímio na harmónica. Juntos, conta, formavam uma família tida como diferente, composta por pessoas despidas do medo de dar passos em direção ao desconhecido.
Ainda criança, Henk cantava num coro e, com apenas nove anos, estreou-se em concerto com o clarinete, instrumento que estudava com a orientação cuidada e exigente de Henk de Graaf, clarinetista solista da Orquestra Filarmónica de Roterdão que vivia a poucas casas de distância.
Fotografia: Jorge Carmona
Foi quando se mudou para Amesterdão para estudar no Conservatório Sweelinck – já com o saxofone como parte da sua existência – que começou a sua “vida fácil”, conta. Habituado à exigência do seu primeiro professor, sentiu-se, na capital, ativo e ativado para criar projetos com colegas que procuravam, como ele, abrir novos caminhos. Assim se explica, aos 20 anos, ter fundado o famoso “ASQ – Amsterdam Saxophone Quartet”, que, tendo sido "um sucesso" desde o início, gravou uma vasta discografia e fez digressões um pouco por todo o mundo, passando pela China, Indonésia e Singapura.
Primeiros passos em Portugal
Foi em 1989 que começou a sua história de amor com o pequeno país plantado à beira-mar. De férias em Portugal, à procura de desafios que o impedissem de cair na monotonia, Henk encontrou-se com Fernando Valente, músico e compositor aveirense, e juntos começaram a arquitetar planos para alavancar o primeiro curso superior de saxofone no país.
O músico holandês, que era já docente de saxofone no Conservatório de Amesterdão, não tardou a tornar-se professor na ESMAE – Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo do Porto, onde formou a Orquestra Portuguesa de Saxofones e o grupo Vento do Norte, com jovens saxofonistas seus alunos, que tem vindo a atuar em múltiplos palcos nacionais e internacionais.
Com ninho já em Portugal, em 2002, gravou um CD de fado Português, "Saudades", com a participação especial de Carlos do Carmo, hoje seu amigo e confidente e, entre 2009 e 2011, fez de Nova York um novo porto, tendo aí trabalhado no seu doutoramento "As Suites para Violoncelo de Johann Sebastian Bach no Saxofone – Interpretação e transcrição".
Aveiro, cidade-casa
“Aveiro é casa”, conta Henk, e é aqui que vive desde o final do milénio, ainda que quase sempre na estrada. “É uma cidade de braços abertos”, partilha, onde foi acolhido com entusiasmo. Em 2008, o seu casamento com Laurinda Freitas não podia ter sido mais local ou diferente – os noivos chegaram ao canal de S. Roque de moliceiro e a festa fez-se na rua onde moram, no bairro da Beira-Mar.
“É um privilégio viver em Aveiro”, conta, mas, mais do que isso, é um privilégio “estar em contacto” com as pessoas e a cidade, "colocar um projeto na mesa e fazer dele um sucesso”. Exemplo disso é o São Gonçalinho Street Arts Fest, do qual foi co-produtor. Tudo começou com o escutar de um piano ao estacionar o carro de regresso a casa. “Comecei a pensar: quantos músicos haverá em Aveiro?”. Fez-se um mapeamento das notas musicais soltas pela cidade e o festival culminou na participação de cerca de 90 músicos, estendidos pelo bairro a contar histórias através de instrumentos. Hoje, Henk diz-se “mordomo auxiliar”, feliz por ter vindo a acompanhar diferentes gerações da Mordomia de São Gonçalinho.
“O futuro é ainda maior”
Henk fala do seu sexagésimo aniversário com particular gratidão. Em março deste ano, foi presenteado com um concerto de alunos e amigos que haviam escapado à sua festa para, na Igreja da Vera Cruz, preparar aquele que seria um momento que Henk viria a descrever como “mágico”, de uma “imensa alegria” e “privilégio". Uma celebração de casa cheia numa cidade que se tornou casa para todos os que compõem a vida do músico, incluindo a tia, de 87 anos, que é já querida por muitos em Aveiro.
Este ano, Henk van Twillert sopra também as velas de quatro décadas de carreira. Aos 20, deu o seu primeiro concerto oficial, cujo cartaz fora desenhado pelo pai, e, hoje, confessa, “depois de 40 anos, o futuro é ainda maior”. “É um privilégio ser músico”, conta, “ver o futuro enquanto músico” e poder acompanhar os jovens no seu percurso musical, que se reflete em tantas outras partes que formam um ser. “A música conecta”, diz. “É uma linguagem que não necessita de palavras, que se sente de imediato” e, por isso, é uma linguagem assente em histórias de experiências colecionadas por quem as conta.
Os seus alunos, e agora também os alunos dos alunos – as pequenas 'Stars of the Future', um projeto que lhe é muito querido –, são isso mesmo: contadores de histórias que brotam das experiências que foram e vão colocando nas algibeiras. Motivados, bem preparados – e a preparação, ri, começa com o ‘Parabéns a Você’ –, encorajados a conhecer o mundo e dispostos a dar o primeiro passo que os fará abraçar a música como um todo, os seus alunos são "os melhores", garante Henk.
Fotografia: Paulo Pinheiro
Para celebrar os 40 anos de carreira na cidade que o acolheu e à qual quer, de alguma forma “retribuir” o carinho, está marcado para dia 30 de novembro um concerto particularmente especial no Teatro Aveirense, que contará com a participação de muitos dos que trouxeram sentido ao seu percurso: o grupo Vento do Norte, a Banda Amizade – Banda Sinfónica de Aveiro, a Banda Recreativa Eixense, Rob Hauser, do Amsterdam Saxophone Quartet, e a Orquestra Portuguesa de Saxofones (Passado & Presente).
“Um músico nunca desiste da música”, diz, e, por isso, “não imagino reformar-me da música”. Neste futuro que é ainda maior, termina Henk, é preciso cuidar o tempo, cuidando de si, e continuar a estudar, a aprender e a testemunhar o talento que brota dos mais jovens. Não é por acaso o nome da gala de dia 30: Feel Good.