Maggie O’Farrell, uma escritora irlandesa que cresceu entre o País de Gales e a Escócia, depois de ter exercido muitas outras profissões, para nossa grande sorte, dedicou-se à escrita e é a evidência clara que nem sempre os prémios atribuídos são o único indicador da qualidade dos livros. Este livro é um bom exemplo disso. É um livro escrito com o coração, com a alma e as emoções a pontuarem todos os parágrafos e em que a ironia e o sentido de humor tão britânico conseguem trazer leveza e esperança a um tema que tinha tudo para ser tratado de forma dura. Mas, afinal, não é isso que fazemos quando educamos os nossos filhos, preparando-os para a vida com a certeza do colo dos pais? Não foi isso que eternizou a forma como Roberto Benino “apresentou” e representou no campo de concentração para o seu filho, em “A vida é bela”? Para mim, “Estou viva, estou viva, estou viva”, de Maggie O’Farrell, foi dos livros mais emocionantes e viscerais que já li. Como mãe, senti uma empatia enorme com a autora, mas também o abanão de que há problemas tão graves que podem e devem ser levados de forma leve, embora consciente! Foi um abanão e mais uma oportunidade de me reinventar como mãe... e tenho tanto ainda para aprender e para fazer. Como ser humano, foi também uma excelente reflexão para a importância do valor da vida, numa época em que somos invadidos de notícias diárias que revelam o desvalor que as pessoas, sobretudo as mais jovens, demonstram pela sua vida e pela dos outros, assumindo e perpetuando comportamentos de risco constante. Este livro é um permanente elogio à beleza da vida mas também à sua fragilidade e à importância de a celebrarmos diariamente e agradecermos todas as oportunidades em que ela sai como vencedora!
Este livro foi escrito pela autora que o dedicou aos filhos, em particular a uma filha que nasceu com uma doença muito grave e incurável, um eczema crónico, que fazia com que vivesse permanentemente no risco de, através de um simples contacto, poder morrer. E o que a autora quis ensinar aos seus filhos foi, através de 17 histórias da sua vida, como a linha entre a vida e a morte é muito ténue e que muitas vezes são as nossas decisões, ou a sorte, que determinam qual prevalece. Estes diferentes momentos da sua vida são sempre lições de vida para os seus filhos e para todos nás, em várias idades.
Quando somos crianças, a morte é tabu. Ninguém fala às crianças sobre a morte e quando as crianças são confrontadas com o falecimento de um ente próximo, temos sempre a tendência para as “proteger” romanceando a morte com expressões que lhe retiram a gravidade: “foi para um lugar mais bonito, está a olhar para todos nós”.
Mas, na verdade, a morte não é de todo, uma coisa boa. É, apesar de inevitável, uma coisa má e, por isso, é tao importante dar valor ao seu oposto, valorizar a vida enquanto temos a oportunidade de usufruir dela e daqueles que nos são queridos.
Este livro reúne um conjunto de boas lições para crianças, jovens, adolescentes e adultos, as lições que eu gostava que os meus filhos ouvissem, com a dureza e frontalidade com que Maggio O’Farrell o faz, combinando com o sentido de humor que lhes dá uma leveza que tornam este livro tão bom de ler.
Não pensem, por isso, que se trata de um livro triste e depressivo. É, sim, um livro muito verdadeiro e sem eufemismos, que nos faz refletir tanto quanto nos põe a rir pelos vários momentos cómicos que aparecem nestas 17 histórias de vida. Gosto sempre muito dos livros que têm esta estrutura e se dividem em capítulos/contos ou histórias independentes – neste caso, relatando 17 situações em que a mãe (a autora) esteve entre a vida e a morte – e em cada uma esta mãe deixa aos seus filhos e a todos nós uma mensagem de esperança e alguns conselhos sobre como aproveitar melhor a vida.
Não tendo eu a arte e a inteligência da Maggie O’Farrell, sou muito Maggie na forma como tento educar os meus rapazes, sem esconder a verdade, mas tentando que esta seja um bocadinho menos dura e mostrando-lhes sempre que, quando os momentos duros acontecerem, estarei cá para eles. Depois de começar a ler o livro, é impossível pousá-lo sem o terminar, porque em cada história as nossas campainhas tocam e não nos deixam indiferentes, desde o que sentimos quando os nossos filhos são pequenos, e por muito que gostássemos que o mundo fosse bom, infelizmente o mundo não o é.
“Porque tens seis anos, porque há pessoas por aí que te querem fazer mal, e nunca vais saber porquê. Porque ainda não te consigo explicar estas coisas. Mas hei de conseguir.”
E se é verdade que, enquanto os nossos filhos são crianças, ainda vamos conseguindo construir, a custo, uma redoma invisível para os proteger, e ainda temos a sorte de sermos para eles uns heróis, ou uma referência que consideram e respeitam, essa situação de privilégio e de graça, vai-se perdendo com a adolescência.
Aliás, a pior e mais desafiante fase da parentalidade é mesmo a adolescência e a juventude, em que os pais virtuosos e perfeitos – claramente que não estou neste grupo, acho que deixei passar o prazo de inscrição e não aceitavam supranumerários! – gostam de dizer e acreditar que os filhos são o resultado da educação dos pais. Lamentavelmente, não sinto que este nexo de causalidade seja tão rigoroso e para grande tristeza dos pais cheios de certezas e também porque os muitos estudos e anos de experiência parecem ter versões contrárias, na adolescência há muitas coisas que escapam ao controlo dos pais e nem sempre seguem os nossos mais bem intencionados ensinamentos. Talvez seja este o verdadeiro desafio para nos conhecermos e libertarmos dos grilhões pré-determinados e aceitarmos que não controlamos tudo.
E quando fala sobre a adolescência, Maggie tem o sentido de humor e o realismo que me apaixonam na sua escrita e que tão bem descrevem esta fase: “Alguns estão à espera de que uns cortes de cabelos feios cresçam, de que os pais os deixem guiar ou lhes deem mais dinheiro ou lhes digam quando a sua infelicidade vai chegar ao fim, à espera de que o rapaz ou a rapariga de que gostam reparem neles, de que chegue a cassete que encomendaram na loja de discos, de que os sapatos se gastem para lhes poderem comprar uns novos, de que o autocarro chegue, de que o telefone toque. Estão, todos eles, à espera, porque é isso que fazem os adolescentes nas localidades à beira-mar. Esperam. Que algo acabe, que algo comece.”
Esta é a altura em que temos de, por muito que o coração doa e a vontade de controlar e saber tudo seja muito grande, aprender a confiar e acreditar que temos à nossa frente seres humanos, ainda em formação e que não são um decalque da nossa educação nem dos nossos princípios, mas sim o resultado das suas próprias escolhas, as quais, se tivermos sorte, poderão num ou noutro momento, ser aquelas que julgamos melhores para eles.
Esta é a altura mais desafiante e em que o nosso coração é mesmo o músculo que precisa de mais ginásio, para conseguir aguentar com todos os embates porque é a altura em que os pais deixam de ser os heróis para serem substituídos pelos amigos, que tudo sabem e a quem querem tanto agradar. “Vai haver alturas, digo-lhes, quando forem adolescentes e andarem por aí, em que alguém vos vai sugerir uma coisa que sabem que é má ideia, e então vão ter de tomar a decisão de participarem ou de se virem embora. De irem com o grupo ou contra ele. De se fazerem ouvir, de contestarem, de dizerem, não, acho que não devíamos fazer isso. Não, não quero fazer isto. Não, vou para casa.”