A notícia já me tinha chegado há algum tempo, mas, sou sincero, a mensagem ainda não tinha sido processada. Até esta manhã, quando o destino me reservou, numa cidade cada vez mais caótica, um lugar de estacionamento à porta. Só quando olhei lá para dentro e vi o abandono, as paredes despidas, com fios elétricos pendurados, num lento desmontar de tudo, é que a informação virou verdade. Nua e crua. E dolorosa.
Sou da Praceta e até aos 28 anos, morei porta com porta com o Tako, e por isso não é difícil de perceber que parte da minha história se mistura com o café que, primeiro, era do Sr. Artur, depois onde o Paulo – o filho mais velho – também trabalhava, e por último, do mais novo, do Vítor, que carregou até ao fim, a herança familiar. Sem esquecer, nunca, a presença serena e peculiar do Armando, como a cola que une todas as fases de um café que, se sobreviveu até aos dias de hoje, também a ele se deve.
Quando somos crianças e adolescentes só queremos ser adultos. Faz parte da vida. Na minha geração todos os meus amigos queriam ter 18 anos, não só pela falsa pretensão a serem independentes, mas para tirarem a carta de condução. Eu só queria fazer 16 anos, para poder entrar nas máquinas do Tako sem ter o Sr. Artur à perna. Foi a primeira coisa que fiz nesse dia 8 de janeiro de 1989. Ir ao Tako e mostrar o bilhete de identidade, orgulhosamente.
Ao longo dos anos muitos episódios marcam a minha história no Tako. O meu pai era treinador de futebol e só vinha a casa de domingo à noite a terça de manhã. E às segundas, íamos ao Tako, ler o jornal e ver os mais “velhos” a jogar bilhar, entre eles o sr. Isidro, um bom homem. Nessas alturas, o meu pai dava-me uma moeda para a jukebox, para escolher a minha música preferida da altura, a Endless Road, dos Time Bandits. E, depois de colocada a moeda, ia-me sentar ao lado do mister, feliz, naqueles raros momentos de partilha.
Podia falar das intermináveis noites com o Jorge, a jogar matraquilhos ao bota-fora, 20 escudos, quatro bolas, até aos três. Ou das tardadas a jogar às máquinas. Podia também falar das conversas intermináveis e maravilhosas com o Sr. Almeida, ou de tantos anos em que a malta se juntava no dia 24 de dezembro e levávamos ao limite a paciência do Vítor, que queria fechar e ir para casa e nós só queríamos ficar mais um bocadinho, a contar histórias e a festejar o facto de ali estarmos, juntos, e com saúde, a brindar e a rir.
Mas prefiro recordar apenas mais um momento, provavelmente o mais importante. O dia em que o meu pai, já muito debilitado, com um esforço hercúleo, pegou a única vez no neto, o meu filho mais velho, o Francisco, com cinco meses, esticou os braços para o ar e apresentou-o ao mundo, para ele ver, lá de cima, que tudo é possível, que nada é mais forte que a nossa vontade.
Com o fechar de portas do Tako, a Praceta perde o seu último elo histórico, a sua derradeira memória. Houve um tempo em que se jogava futebol no meio da estrada, se saltava o muro para ir buscar fruta ao quintal “da velha”, em que se conheciam os vizinhos, em que se vivia tranquilamente. Hoje, é apenas um resíduo de algo que existiu, numa amálgama de carros estacionados, num sentimento que se alastra pela cidade, que recentemente se despediu da Adega do Evaristo e do Autocarro Bar. Que cidade sobrevive sem memórias, sem espaços que unem gerações? Que legado deixamos?
O Tako fechou. Ficam as memórias.