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Rosa Maria Rodrigues: Egas Moniz “é o triunfo da persistência”

Património

Jorge Gomes

 

Há coisas difíceis de explicar por palavras. O brilho no olhar de Rosa Maria Rodrigues sempre quando fala sobre Egas Moniz é, sem sombra de dúvida, uma delas. Dos seus 62 anos de vida, 38 foram dedicados a estudar a vida e a obra do Nobel da Medicina e a dirigir a Casa-Museu que eterniza os seus feitos e o seu legado. Na véspera do 150º aniversário do nascimento de Egas Moniz (29 de novembro de 1974), Rosa Maria Rodrigues recebeu a Aveiro Mag na Quinta do Marinheiro, em Avanca, a propriedade onde o professor e médico viveu a sua infância e passou as suas férias, e recordou o homem que, no seu entender, personifica “o triunfo da persistência”.

“O que me atrai mais em Egas Moniz é a sua personalidade carismática. É uma personalidade que não consigo hiperbolizar, mas que me permite conhecer muitas coisas. É o triunfo da persistência. Quase tudo o que ele quis, ele conseguiu”, exalta a diretora da Casa-Museu Egas Moniz. “Conhecer este homem é o projeto da minha vida”, confessa a investigadora de história.

Rosa Maria Rodrigues entrou para a Casa-Museu em 1985, logo após a integração a Casa-museu no património municipal. “Era património de uma fundação. No entanto, por falta de recursos financeiros, a fundação acabou por ser extinta por despacho ministerial de 23 de maio de 1985. Em julho, dá-se a integração na câmara”, enquadra. Curiosamente, ou talvez não, nessa altura Rosa Maria Rodrigues dava cumprimento a um desejo que manifestou ainda em criança. “Em miúda, de visita a esta casa, disse ao meu pai que, um dia, gostaria de trabalhar aqui. E assim foi”, testemunha a investigadora natural de Oliveira de Azeméis.

Tem sido toda uma carreira dedicada a Egas Moniz, mas Rosa Maria não acusa o cansaço. Muito pelo contrário. Fala sobre o Nobel da Medicina com todo o entusiasmo e admiração. “Foi um homem que, pela sua persistência, conseguiu inventar um método que ainda hoje está muito atual, que conseguiu ter uma vida ativa e ser uma figura preponderante em termos políticos na Primeira República, um homem que deixou uma vida de investigação escrita, um empreendedor, caso contrário, não se perceberia a Nestlé. É um homem carismático, um homem com a dádiva dos deuses”, desvenda.

Para a investigadora não deixa de ser notável o facto de Egas Moniz nunca ter esquecido “as suas raízes, a sua terra”. “Nunca disse isto, mas tenho andado a fazer esta reflexão. Se olharmos para o percurso de Egas Moniz percebemos que era um homem cosmopolita. Vivia em Lisboa, frequentava bons sítios, ia ao teatro, conhecia o mundo. Curiosamente, ele só escreve a respeito da sua Avanca. Não lhe conheço nenhum texto em que ele descreva Lisboa. Percebe-se que ele vivia a cultura cosmopolita de Lisboa – viveu lá desde 1901. Por outro lado, curiosamente ou não, não há nenhuma referência à vida mundana de Lisboa. Encontramos uma autobiografia dele com memórias e uma descrição de Avanca e da sua região”, analisa. Esta ligação à sua terra natal está bem vincada na opereta “A Nossa Aldeia”, escrita por Egas Moniz em 1920 e que volta a ser levada a cena este fim de semana, no Cine-Teatro de Estarreja, para assinalar o seu 150º aniversário.

Um homem que amava o belo

Rosa Maria Rodrigues chama a nossa atenção para uma frase que está na entrada do museu: As grandes escolas de artes plásticas são os museus. Quiseram um em cada cidade, em cada vila e em cada aldeia para que o povo se elevasse na comunhão espiritual do belo. “É esta ‘comunhão espiritual do belo’ que é o cerne desta casa. Ele [Egas Moniz] entendia que o belo, em qualquer uma das suas formas, era a melhor maneira que ele tinha de sublimar a frieza do ato científico”, nota a diretora. “Ao olharmos para os gostos de Egas Moniz, percebemos que são todos gostos de quietude. A pintura é naturalista. Não há nenhum impressionista ou expressionista. Nenhuma pintura que perturbe ou inquiete. No entanto, ele faz a análise dos pintores na loucura. Mas pretendia a quietude. Se olharmos para a porcelana é toda muito cálida. Era essa paz espiritual que ele gostava. Ele dizia que se deslumbrava com a beleza policromática de uma porcelana ou com a quietude da sua terra natal ou os versos do [Rudyard] Kipling. Era um homem que gostava das pequenas coisas e isso dá-lhe um ar muito humano. Acredito que fosse um homem muito terno, apesar de muito pragmático e persistente”, avalia.

É este o homem que continua a habitar a Casa-Museu que, este ano, já recebeu cerca de 3.000 visitantes. “Não é um museu de massas, não pode receber 50 pessoas num só dia”, repara, a propósito do espaço que, em breve, será alvo de obras de requalificação. “Principalmente, no exterior do edifício, já são necessárias. No futuro, a vacaria será readaptada para poder acolher uma receção”, anuncia.

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Desafiamos a diretora a confessar qual é a sua divisão favorita. “É a biblioteca porque é o espaço onde sinto mais a presença do homem. É no rés-do-chão e na biblioteca que melhor consigo imaginar como seria a vida nesta casa: as criadas preocupadas com os cristais de baccarat ou com a Companhia das Índias ou com a porcelana oriental; a D. Elvira a tocar piano no salão de festas, quase que imagino como seriam os serões com as batidas surdas de cartas no salão de jogos. E imagino o homem a refletir, a ler, a escrever e a descansar na biblioteca. De alguma forma, consigo quase visualizar os seus silêncios. É um espaço da casa que vive de silêncios. Ele também era um homem de silêncios. A biblioteca tem cerca de 2500 livros e está exatamente como ele a deixou, com a mesa quietude e penumbra”, declara.

Já os visitantes “apreciam a visita à sala científica, principalmente, os que são da área. Toda a gente gosta de ver o diploma e a medalha do Nobel, mas quando chegam ali já percebem um bocadinho melhor o homem. Foi uma coisa que custou ser conquistada – ele foi proposto cinco vezes ao Prémio. Só pela angiografia foi proposto três vezes: 1928, 1933 e 1937. Mas o país não tinha diplomacia científica suficiente”, vinca.

E o que faria Egas Moniz se cá voltasse hoje, nestes tempos modernos? Rosa Maria Rodrigues acredita que faria justiça a um desejo dele próprio. “Em 1950 ou 51, há um jornalista que lhe pergunta o que faria se ganhasse a lotaria. E a resposta dele foi: ‘Criaria o Instituto do Cérebro’. Acho que ele hoje iria enveredar por esse caminho, investindo na investigação e no trabalho em prol da Ciência”, declara.

 

 

 

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