Abro o Facebook e vejo algo que não espanta nenhum aveirense: nas fotografias das obras de renovação da escola básica das Barrocas podem ver-se as poucas árvores que por lá existiam arrancadas e deitadas no chão.
Poderíamos dizer que é apenas mais um dia normal do Ribau, infelizmente esta não é apenas mais um reflexo das políticas de abate da CMA mas a realidade da maioria das escolas e espaços públicos deste país. A natureza tornou-se demasiado agressiva para os meninos de hoje. Por isso o novo mundo que se constrói é feito de betão. Geométrico. Asséptico.
A escola não quer surpresas, os pais não querem surpresas. Uma árvore pode ser perigosa. Um chão de terra pode ter germes e uma bola de futebol pode gerar discórdia e divisão. Devemos evitar o caos a todo o custo.
Construamos então um mundo novo (qual “1984”) onde os meninos não se aleijam e brincam quando lhes dizem para brincar - preferencialmente num daqueles enfadonhos e minúsculos parques infantis idealizados por tecnocratas onde a possibilidade de se aleijarem é igual à probabilidade de se divertirem.
No mundo novo as crianças tem agendas apertadas e o tédio que lhes permitimos viver é compensado pelo extraordinário que lhes entra pelos ecrãs adentro. Damos-lhe esse vislumbre de vida e elas contentar-se-ão. Só não lhes tiremos os telemóveis, esses catéteres que as alimentam das emoções que o mundo cá fora já lhes dá tão pouco.
Na semana passada, a minha namorada, educadora, falava com um menino de 5 anos que vivia num país nórdico e agora está em Portugal. Dizia que gostava de cá estar mas que tinha saudades de brincar. Que aqui, na escola, não tinha tempo para brincar. Se fosse aos pais voltava para lá, só para que ela possa ser criança outra vez. Aqui somos demasiado evoluídos.
Estamos com receio do que a Inteligência artificial pode fazer ao nosso mundo quando o que verdadeiramente devemos recear é o que estamos a fazer ao nosso mundo. Um mundo onde as crianças não têm tempo e espaço para brincar. Um mundo onde as crianças não têm rua. Um mundo onde as árvores e as bolas são vistas como ameaças para as crianças.
E a culpa não é só das escolas e das cidades que crescem contra as pessoas. A culpa é nossa, pais, que queremos tanto o melhor para os nossos filhos que lhes retirámos a liberdade. A liberdade de correr e cair e esmurrar-se nos joelhos e aventurar-se. Temos tanto medo do que lhes pode acontecer que lhes retirámos grande parte da aventura e magia da infância.
E não, não me digam que foram as cidades, porque as cidades somos nós.
“O amor pela natureza não mantém as fábricas ocupadas.”
― Aldous Huxley, “Admirável Mundo Novo”