Omaha, 19 de Junho de 1977. Elvis Presley circula pelo palco como se carregasse um grande peso, está inchado, perdeu agilidade, a língua enrola-se quando fala. Está a dois meses de morrer. Trocou a fúria e a exuberância por uma majestade digna. Canta "Don´t be cruel" envergando o inconfundível fato branco com um grande sol dourado nas costas, o rosto encharcado em suor, lançando sorrisos sardónicos para a plateia.
Um homem vai-lhe pondo lenços brancos ao pescoço, que absorvem o suor daquele deus e se tornam objetos sagrados para a multidão em delírio. Elvis, a dar um dos seus últimos espetáculos, pega num lenço e lança-o para a assistência eufórica. O homem, também vestido de branco, assenta-lhe outro lenço ao pescoço. Elvis atira-o. E assim até ao fim da canção. Elvis é um ícone global, todos o conhecem. Mas quem são aquelas pessoas que partilham o palco com ele? Quem é aquele homem? Aquele homem é Charlie Hodge. Charlie quê? Charlie Hodge era amigo de Elvis e viveu em Graceland. Nos concertos toca guitarra, canta, segura-lhe no microfone, serve-lhe água, põe-lhe lenços ao pescoço para ele os arremessar às fãs. Faz tudo isto com uma devoção enternecedora. Ele é um grão de poeira naquela constelação de um astro só.
Proponho à Maria José, diretora da AveiroMag, fazer "uma série de entrevistas a gajos da cultura" - é assim que lhe apresento a ideia numa mensagem de Whatsapp. A premissa é: fugir aos nomes óbvios. Entre ideias próprias e sugestões de amigos, a lista cresceu muito para além do número que estabeleci. Cortei até aos dez da lista final.
De um livro da poetisa aveirense Rosa Alice Branco, uma das entrevistadas, retiro um verso para o título da rubrica. Escutar é um modo de ver. Vejamos, então, escutando.