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Escutar é um modo de ver com Jorge Loura: “Somos todos uns tonis pobres”

Artes

Quando pergunto a Jorge Loura se quer dar uma entrevista, responde: "Claro que sim, vamos a isso". Encontramo-nos no Café Convívio. Sentamo-nos junto a um janelão, com vista para a rua. Quando chegamos ouve-se Justin Bieber. Ele pede um café e uma água das pedras com sabor a limão. Digo-lhe que o vi na gala dos Dragões de Ouro a tocar pelos Táxi e ele confessa-se benfiquista. "Deve ter custado", comento.

Jorge Loura, 46 anos, de Aveiro, é guitarrista, compositor e professor de música. Toca nos Táxi, Troll´s Toys, Souq, Retimbrar e 47 de Fevereiro. Digo-lhe que não levo perguntas preparadas, a não ser a pergunta de partida. A conversa começa nos anos 1970 e vai sendo empurrada para a frente. Portugal perdeu um engenheiro e a música, no fundo como algumas coisas na vida, é um combate de boxe.

 

Como é que aprendeste a tocar guitarra?

Eu já nasci no meio disso. A minha mãe sempre cantou em coros polifónicos e o meu pai tocou baixo e guitarra em bandas durante décadas. Bandas de rock, bandas de baile… As bandas de baile na altura tocavam rock… Portanto eu sempre cresci nesse ambiente de música. Os meus tios tocavam guitarra, baixo… Toda a gente na família tocava uma coisa qualquer, ou amador ou semiprofissional. O meu pai chegou a ser semiprofissional – agora toca sobretudo em casa. Agora que se reformou e tem tempo já está a fazer uma banda com os amigos. E a minha mãe ainda hoje continua a cantar em coros. Não param.

 

Eles são aqui de Aveiro?

São. E portanto eu nasci nisso. Comecei com sete anos a ter aulas de formação musical, de flauta de bisel e isso tudo. Era a escola do Coral Polifónico de Aveiro, que na altura era na avenida e que era onde a minha mãe cantava na altura e o meu pai dava aulas. Ele dava aulas de guitarra e eu estava a ter aulas de órgão. Depois tentei o piano clássico, mas eu estava noutra…

 

Começaste pelo órgão, então…

Comecei. Aqueles órgãos antigos de dois teclados e pedaleira e tudo… Comecei na guitarra com 12 anos e quando peguei naquilo nunca mais fui a mesma pessoa.

 

A passagem das teclas para a guitarra foi escolha tua?

Foi. Eu já queria tocar guitarra, mas já tocava bem teclas, estava num nível já fixe. Quando fui para o piano voltei ao princípio, porque tinha de ser aquela técnica perfeita... Isso frustrou-me. Durou dois meses e fui tocar guitarra. Demorei a arrancar porque não praticava nada.

 

Em que zona moravas na tua infância?

No Bonsucesso. A minha família é toda de Aradas e do Bonsucesso.

 

Eras uma criança rebelde?

Não. Super bem comportado. Embora pelos padrões de hoje éramos todos muito mal comportados. Aquela coisa de sair de casa às oito da manhã e voltar às oito da noite, os nossos pais não sabiam onde é que andávamos… Andávamos no meio do milho e a descobrir grutas…

 

Comigo era a mesma coisa. Lembro-me de aos fins-de-semana sair de casa e passar o dia a jogar à bola e explorar os pinhais…

Era isso. Jogar futebol de manhã à noite e se não era jogar futebol era ir jogar aos polícias e ladrões ou o que fosse. Um gajo andava por todo o lado. Ainda por cima vivendo fora da cidade. Mas os meus amigos que cresciam na cidade dizem a mesma coisa. Foi aquela infância típica dos anos 80. No Verão jogar futebol, no Inverno ver filmes em VHS e jogar computador Spectrum…

 

Ainda tenho o meu lá em casa…

Eu perdi o meu, nem quero falar disso.

 

Eu tenho o computador e um joystick e umas cassetes…

Eu sou um baldas nisso. Devia ter guardado isso tudo, mas pronto. Mas sim, foi uma infância normal. Aquela coisa que já não se vê hoje em dia que é ter nove anos e apanhar o autocarro para vir à cidade e ninguém chamar a polícia, brincar na rua…

 

O que se perdeu completamente…

Completamente. É bizarro não ver miúdos a brincar… O meu pai trabalhava na altura na Aliança Seguradora, onde é a Galeria do Vestuário, na avenida, e durante as férias, quando não havia escola, eu ia para o escritório e ficava lá a brincar e a fazer desenhos e de repente “olha, vou dar uma volta”. Com oito, nove anos ia passear e ver lojas de brinquedos e por aí fora… A Casa Ratola, não era?

 

Era. Lembro-me disso, também… E fizeste a escola onde?

Apesar de viver no Bonsucesso, fiz a escola primária na Vera Cruz. Os meus pais trabalhavam no centro e então a minha vida era na cidade, desde sempre. Depois andei na João Afonso, na altura era o ciclo, e depois fiz o secundário na Homem Cristo o tempo todo. Foi onde fiz a primeira banda.

 

Fala-me disso…

Era uma banda de amigos de infância, os Side Baixo… [vê-me a escrever Sai de Baixo] Atenção, escrito s, i, d, e…

 

Ahahah grande nome…

Era uma mistura de Xutos e Pontapés com solos à Mister Big, mas sem eu saber tocar solos à Mister Big.

 

Qual era o teu papel na banda?

Guitarrista…

 

E vozes?

Vozes não, na altura tinha vergonha de cantar. Comecei a cantar mais tarde. Era guitarrista e fazia o essencial das malhas de guitarra. Uma banda de rock normalmente começa com o guitarrista. Não eram as músicas todas minhas mas na altura comecei a “ok, tenho de inventar músicas, vamos a isso”.

 

Tocavam músicas originais?

Originais. Tudo original.

 

Que idade tinhas nessa altura?

Comecei com 15. Havia essa cultura de toda a gente ter uma banda, deves-te lembrar disso.

 

Eu estava mais empenhado em ser o próximo Maradona…

Soubéssemos tocar ou não, o pessoal fazia bandas. E não havia banda de covers. Ou melhor, nós não queríamos fazer bandas de covers mas bandas de originais. Se as músicas eram boas ou não isso é outra história.

 

Essas composições que fizeste na altura ainda as tens nalguma gaveta lá de casa?

Eh pá, temos algumas cassetes guardadas. Isso anda para aí. Por acaso gostava de digitalizar isso tudo.

 

Os Side Baixo duraram pouco tempo, não?

Ah sim. Mas ainda demos uns concertos.

 

Onde se davam concertos nessa altura?

Eh pá… O meu primeiro concerto, o primeiro concerto da banda, em 93 ou 94, foi no pavilhão de Ílhavo, do Illiabum, no Dia do Estudante. Fizeram um festival – isso parece impensável hoje em dia, miúdos de 15 anos nessas vidas – aí com 10 ou 15 bandas, um concurso de bandas de todo o distrito. Vieram autocarros de todo o distrito, juntaram-se ali, com claques de cada escola, e nós ganhámos o concurso. Portanto o meu primeiro concerto foi logo a tocar para mil pessoas ou coisa parecida. Ainda hoje parece um bocado surreal. Em Aveiro em qualquer esquina havia um tasco e montava-se um palco e havia música ao vivo.

 

Isso, entretanto, perdeu-se…

E de que maneira. Hoje não há muitos ou mesmo nenhum. Um sítio onde uns miúdos de 15 anos possam fazer um concerto se calhar não há. Demorou-se anos a destruir essa cultura da música ao vivo. Havia tantos sítios nos anos 90... Só neste bairro onde estamos havia três ou quatro… Hoje em dia quem quer fazer música ao vivo, para já são poucos e os poucos que há têm de garantir que têm bilheteira e têm público. Quando havia muitos, havia sempre um espaço onde os miúdos de 15 ou 16 anos podiam ir fazer uns concertos. Hoje não têm. Querem tocar mas não podem ir ao GrETUA, que tem uma programação de gente que já lançou discos, é diferente. Perdeu-se mesmo isso. Não sei bem explicar. Haverá razões burocráticas, é preciso licenças para tudo e mais alguma coisa. Se eu tivesse um bar não sei se conseguia suportar isso, não sei se arriscava meter uns miúdos a tocar.

 

Isso acaba por ser um travão ao aparecimento de bandas e de talentos…

Acho que sim. Está bem que a cultura hoje é diferente, hoje os miúdos estão mais em casa, não há aquela coisa da comunidade. Podem falar através do Instagram ou do Tik Tok… Nós para estar com os amigos íamos para uma sala de ensaios um sábado a tarde inteira. Eu dou aulas e sei que há miúdos que querem fazer música, mas sentem-se isolados. Fazer uma banda com quem? Tenho alunos talentosos que não conseguem encontrar um baterista. Quando eu era da idade deles eu tinha de recusar, porque toda a gente queria fazer música. Eu não conseguia fazer uma banda com todos os amigos que queriam fazer uma banda. Hoje há miúdos a tocar, a ter aulas, mas tocam em casa, sozinhos.

 

Tu com essa idade, 15, 16 anos, já sabias que querias ser músico?

Nunca tomei a decisão. Na altura havia um bocado a mentalidade que música era aquela coisa que obviamente não dava dinheiro, o que é verdade. Na altura as pessoas sabiam disso e agora não sabem. Não tomei a decisão de ser músico, mas com 14 anos o meu cérebro mudou, quando comecei a tocar guitarra mesmo a sério.

 

Houve um clique…

Houve um clique. Ainda andei anos enganado a achar que ia tirar um curso de engenharia e ter uma profissão normal, e cheguei a entrar em engenharia na Universidade de Aveiro.

 

Portugal perdeu um engenheiro…

É verdade, Portugal perdeu um engenheiro absolutamente brilhante que ia mudar a face da arte. Pena não ter passado do primeiro semestre. Já era músico cem por cento mas tinha aquela ideia de que era absurdo… Na altura ou se estudava música clássica ou não, tudo o resto era aulas privadas ou autoconhecimento - autoconhecimento soa estranho, depois metes a palavra certa… E fui-me deixando enganar e decidi tirar um curso de uma pessoa normal e ter uma profissão normal e ao mesmo tempo tocar, porque era impossível não tocar. Mas percebi que engenheiro nem pensar, era preciso passar horas a estudar cálculo e física, que eu adoro, mas era preciso praticar e eu queria era praticar outra coisa.

 

Se calhar não te imaginavas fechado num gabinete todos os dias ou a fazer as coisas que os engenheiros fazem…

Nunca pensei nisso sequer. Eu pensava: se eu estudar na universidade engano a família mais uns anitos e tal enquanto faço música. Entretanto mudei para Novas Tecnologias da Comunicação e por acaso gostava daquilo e fiz o curso quase inteiro, fiquei a quatro disciplinas do fim, porque aí a música apareceu mais a sério. Tinha na altura uma banda que eram os Turn Off, já com um público fixe e estávamos a começar a ir para fora daqui… Mas não resultou, separámo-nos…

 

Houve aquelas zangas dramáticas entre os membros?

Não, nenhuma zanga. Somos os quatro amigos para a vida até hoje, mas alguns já estavam noutra, não lhes apetecia estudar e praticar, e eu era muito obcecado pela profissão.

 

Eras muito disciplinado…

Era. Já fui. Hoje em dia não. E pouco tempo depois convidaram-me para ir para os Zen, banda do Porto, que na altura estava a dar forte e feio, e convenci-me que era capaz de acabar o curso ao mesmo tempo. Mas não, tocava muito mesmo.

 

Tinhas 20 e poucos anos?

22, 23, por aí. E já tinha passado por várias bandas aqui.

 

Em que bandas de cá é que tocaste?

Não foram muitas. Os Side Baixo, depois tive várias que arrancaram e não foram a lado nenhum, não saíram da sala de ensaios. Uma delas foi uma banda chamada King Size, que fez t-shirts e nunca fez um ensaio.

 

Uma banda com merchandising e sem música…

Fizemos o merchandising, tudo perfeito, mas não saímos da sala de ensaio. Depois fiz os Turn Off, que foi a minha primeira banda mesmo a sério, e tive outra banda que era os Snowball, que era uma espécie de all-stars de Aveiro – pessoal dos Booby Trap, dos Strange Airplaine e de outras bandas. Éramos uma mistura engraçada.

 

Um dos tipos dos Booby Trap era meu vizinho, o Pedro Junqueiro…

Era o vocalista, ele e o João Fino, que agora é pintor. O Fino é tudo, é um artista inacreditável. Era uma banda séria, tocámos muito na altura. Tocava-se muito na altura. E voltando à tua pergunta, onde é que se tocava? Tocava-se, não sei como mas tocava-se. E não eram só bares. Montava-se um estrado no meio da rua, no liceu, fosse onde fosse.

 

Havia alguma rivalidade entre essas bandas de miúdos?

Havia uma rivalidade muito saudável. Éramos amigos, fãs uns dos outros e íamos a todos os concertos. A rivalidade era devida à diversidade de talentos e de estilos. Invejávamos o que os outros faziam melhor e os outros invejavam o que nós fazíamos melhor. E essa inveja fazia-nos tentar copiar o melhor uns dos outros. Foi um movimento mesmo muito rico e que era bom ver repetido.

 

Lembras-te de algum episódio que te tenha marcado do tempo das tuas primeiras bandas?

Foram vários e não consigo isolar um. Sendo assim acho que destaco o meu primeiro concerto, o tal com os Side Baixo no pavilhão do Illiabum. E desde então a coisa nunca mais parou.

 

Portanto, aos 20 e poucos anos tornaste-te profissional…

Sim.

 

Percebeste que era isso que querias fazer.

Eu já sabia. Não tomei a decisão. De repente estava a tocar e a ganhar dinheiro com isso. E não parei mais.

 

Quando falas em ganhar dinheiro, não dava para comprar um jato privado como o Bono ou o Jagger devem ter…

Quando falo em ganhar dinheiro, é viver em casa da mamã e não ter contas para pagar. Não se fica rico sendo músico em Portugal. Claro que há exceções.

 

E depois dos Zen?

Estive lá quatro, cinco anos, e corri tudo e mais alguma coisa. Foi a primeira coisa séria que fiz, no sentido em que as pessoas sabem que isto existe. Entretanto já tinha começado a dar aulas. Primeiro gosto de dar aulas, é muito fixe estar com pessoal de todas as idades que quer tocar. E a partir daí estava por minha conta. Toda a gente tinha o meu número de telefone e eu ia tocar.

 

Como é que os teus pais reagiram a tudo isso? Pensavam que iam ter um filho engenheiro e sai-lhes um músico na rifa… Isso não causou discussões?

Não porque a casa já era isso também. Obviamente havia alguma preocupação. Se eu fosse pai e o meu filho fosse músico de rock, não sei se ficava muito descansado. Mas apoiaram-me sempre. Com avisos – sobre a questão financeira, sobre o estilo de vida que se leva nesse mundo… Mas era daquelas coisas que nem valia a pena lutar. Mas nunca foram contra, bem pelo contrário, vão aos concertos e ainda no sábado estavam lá…

 

Apesar de circulares muito pelo país, nunca deixaste Aveiro…

Não foi uma escolha, sequer. Quando comecei a trabalhar no Porto ainda estudava aqui na universidade, e o Porto é aqui ao lado, e nunca me fez muito sentido mudar-me para o Porto. Depois houve uma altura em que comecei a trabalhar muito em Lisboa e não que tivesse vontade, gosto de lá ir e é uma cidade interessante em muita coisa, mas não é o meu tipo de cidade, mas pensei em mudar-me para lá. Mas quando estava a pensar nisso mais a sério voltei outra vez a trabalhar com muita gente do Porto. E fiquei em Aveiro. E aqui estou perto de tudo.

 

Achas que isso te prejudicou de alguma maneira?

É possível que prejudique. Há sempre prós e contras em tudo. Se estivesse em Lisboa e precisassem de um guitarrista, se calhar a primeira pessoa a quem ligam é ao gajo que está a um quilómetro, e não a 300.

 

Nunca te arrependeste dessa decisão?

Não é uma questão de arrepender. Podia ter feito outras coisas de outras maneiras e se calhar não fazia o que faço. Ia perder de um lado e ganhar do outro. E ainda sou do tempo em que se conseguia comprar uma casa a preço decente em Aveiro. Hoje provavelmente teria de ir para outro sítio qualquer. O que se passa hoje é trágico.

 

Estás envolvido em cinco projetos e ainda dás aulas. Consegues respirar?

Dá para respirar. O problema de Portugal é que é tão pequeno que os cinco projetos significa que cada projeto toca 15 ou 20 vezes por ano, a correr bem. Se tivesse uma banda que tocasse 80 ou 100 vezes por ano, se calhar não podia fazer isto tudo. Mas assim a coisa faz-se. Embora em termos de organização mental não é fácil.

 

Além dos cinco projetos atuais, já passaste por vários outros, não?

Depois posso passar-te a lista das 50 coisas onde já toquei. Se somar concertos onde toquei para desenrascar ou músicas em que gravei um solo, etc., é muita coisa.

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Continuas a compor originais?

Sim. Com os Troll’s Toys, os Souq e os 47 de Fevereiro. Com o Retimbrar não me considero compositor porque as canções são feitas por outras duas pessoas na banda, eu participo nos arranjos. E nos Táxi vamos fazer um disco de originais, vamos lá ver o que sai.

 

Como é que chegaste aos Táxi?

Foi há dois anos, uma coisa de um momento para o outro. Neste momento dos originais estão apenas o vocalista e o baixista e no lugar da guitarra já lá estavam dois colegas meus há uns anos. Em Março de 2022, eles tinham um festival e um dos guitarristas saiu da banda duas semanas antes e eles desesperados ligaram-me a ver se eu ia desenrascar. E eu “bora lá”. Eu estava numa fase de grande trabalho, demorei dois ou três dias a responder. Quando comecei a sacar o reportório, conhecia tudo, era só clássicos. Mas tinha pouquíssimo tempo para aprender, ainda fui fazer o primeiro concerto com apontamentos no chão, no Ipad. O primeiro concerto foi muito fixe, num festival na Maia. Eles nessa noite perguntaram-me se queria fazer mais concertos e eu aceitei

 

Nesse primeiro concerto sentiste algum nervosismo especial?

O nervosismo era de ter tão pouco tempo para preparar.

 

Ainda lá estás, portanto, deve ter corrido bem…

Correu bem, sim. Mas o nervosismo foi esse, de não estar preparado.

 

Costumas ficar nervoso quando sobes ao palco?

Não. Essa é até uma piada que tenho com o João, vocalista dos Táxi… Mas eu digo isto e não é brincadeira: sinto falta de ficar nervoso. Isto é um combate de boxe e temos de ter foco. Pessoal com 45 anos de carreira fica nervoso, eu não.

 

É da tua natureza, talvez…

Mas eu dantes entrava quase em pânico antes de um concerto. Agora tento focar-me e meia hora antes ponho os auscultadores e toco guitarra e não falo com ninguém. Mas sinto falta do nervoso.

 

O mundo do rock em Portugal é sexo, drogas e rock’n’roll?

Se é ninguém me disse nada ou ando distraído. Antigamente, não no meu tempo, se calhar era. O pessoal dos anos 70 e 80 tem histórias que não pode contar… Não há sequer dinheiro para essas vidas. Quando vejo alguém em Portugal com atitude de rock star, como a Madonna ou o Michael Jackson… Somos todos uns tonis pobres.

 

A música mudou muito em Portugal desde que tu começaste? A maneira como se faz música, como se consome música…

Mudou. Se olharmos para os miúdos, não há a cultura de comprar discos, por exemplo. Eles estão em casa e a música chega-lhes ao telefone diretamente. Quanto à maneira de fazer música, antigamente para fazer uma gravação ou tínhamos dinheiro para irmos para um estúdio e era preciso juntar uma boa pasta, ou havia um amigo que tinha um gravador de quatro pistas porque era um bocado mais maluco e era engenheiro e decidiu entrar nas eletrónicas e conseguia-se fazer alguma coisa. Agora não. Agora toda a gente grava num telefone.

 

Nesse aspeto é mais fácil?

É muito mais fácil. Antigamente víamo-nos à rasca para fazer música e tínhamos onde tocar, agora é ao contrário. O pessoal faz música – se quiseres fazemos já aqui uma música os dois com o telefone – mas depois não dá para ir tocar.

 

O máximo que conseguem é pôr no YouTube…

Exatamente. Nós conseguimos ir tocar, temos a experiência, conhecemos pessoas… Um miúdo de 15 anos fica aos papéis. Tecnologicamente estamos num tempo fabuloso. Antigamente juntávamos um dinheirinho e íamos à loja de discos e ouvíamos cinco ou seis discos para escolher um, tinha de ser uma decisão acertada. Agora é tudo muito mais rápido. Como consumidor, viva o streaming. Mas a música continua a custar dinheiro a fazer. Se as pessoas gostam de um disco e querem ouvir o próximo, este tem de ser pago primeiro. Mas ninguém sabe muito bem para onde isto vai.

 

O teu apelo é: comprem os álbuns…

Ou venham aos concertos ou comprem as t-shirts, apesar de não sermos a Zara, nem que seja para ir à praia ou para cozinhar.

 

Lembras-te do primeiro disco que compraste?

Lembro-me do primeiro CD. Vinil nunca cheguei a comprar porque eram os meus pais que compravam. Acho que o primeiro vinil que explicitamente pedi para comprar foi o “Delicate Sound of Thunder” dos Pink Floyd. Mas o primeiro disco que comprei com o dinheiro da minha semanada foi o CD “Don’t Get Weird on Me Babe” do Lloyd Cole.

 

Gostas da vida de estrada?

Gosto. Não vou dizer que é maravilhoso acordar em Seia e ir para Faro sem tempo de estar lá e conhecer alguma coisa. Mas gosto. A camaradagem, o convívio. Mas o pessoal achar que é um glamour do caraças entrar numa carrinha…

 

Há um bocado essa ilusão…

Em Portugal não é uma vida glamourosa de certeza. Basicamente é sair de casa dois dias para tocar uma hora. Mas se falares com pessoal de bandas grandes estrangeiras que correm o mundo, dizem que é a mesma vida: saem de uma carrinha, vão para o aeroporto, entram numa carrinha, vão para o hotel, fazem o sound check, tocam, dormem… Mas não me estou a queixar, não troco isto por nada.

 

Gostas mais da fase de composição ou de estar em palco? Se calhar não é uma questão de gostar mais ou menos, é simplesmente diferente

É isso. Tudo isto é a mesma vida. Gosto da parte da criação e gosto da parte de tocar.

 

Além de músico e compositor também és professor…

Dou aulas aqui em Aveiro, na Música.com, a antiga Adágio. E no Porto no Curso de Música Silva Monteiro, que é uma escola com 96 anos.

 

Ensinar é uma coisa que te realiza?

Adoro. Tenho alunos dos 8 anos aos 70 e tal. Tenho amigos que foram meus alunos há 20 anos. Para já, se estou com uma guitarra nas mãos estou bem.

 

Tu és de fazer planos? Como vai ser o teu caminho daqui para a frente?

Eu acho que é isto. Ainda agora lancei o disco dos Troll’s Toy e já estou a pensar nas próximas coisas. Há muita coisa para trabalhar. E estou em boa companhia. Se estivesse sozinho era mais difícil, sou preguiçoso para fazer música sozinho.

 

E tens o mestrado para acabar….

Em Performance de Jazz.

 

O que te impediu até aqui?

Não foi falta de tempo, foi mais um bloqueio mental. Já não estudava academicamente há muitos anos e o que aconteceu foi que o mestrado parecia um bicho de sete cabeças e não percebi que já tenho alguma bagagem para fazer aquilo facilmente e compliquei mentalmente. Vamos ver se desta vez não falho.

 

Além da música das tuas próprias bandas, o que é que tu ouves?

Ui. Sou esquizofrénico musical. Sou obcecado pelo Zappa, por exemplo. Tudo o que ele fez: rock, música orquestral, jazz… Claro que o meu coração está no rock, mesmo que toque outro estilo de música é sempre com uma abordagem roqueira.

 

Desligo o gravador, pagamos a conta e saímos para a rua. Caminhamos juntos até à Praça Marquês de Pombal. Despedimo-nos e vai cada um para seu lado. Não há nada de Madonna ou Michael Jackson na forma como caminha, fala ou se veste. É um homem simples e despretensioso que me guiou numa viagem a um Aveiro em tantas coisas já desaparecido. E lá em casa, algures, hão-de estar as luvas de boxe para os combates que se seguirão.

 

Esta é a primeira entrevista da série “Escutar é um modo de ver”, que a Aveiro Mag irá publicar nas próximas semanas.

 

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