Ana de Campos Cruz*
Os resultados das mais recentes eleições Legislativas em Portugal configuram uma alteração estrutural relevante no sistema político nacional. A tradicional lógica de bipolarização entre dois grandes blocos partidários deu lugar a um parlamento mais fragmentado, refletindo uma diversificação da representação política, uma intensificação da polarização ideológica e discursiva e uma crescente volatilidade eleitoral.
A ascensão da extrema-direita representa, contudo, o fenómeno mais preocupante desta nova legislatura. Para além do crescimento em representação parlamentar, importa salientar a degradação qualitativa do debate público promovida por esta força política, cuja atuação tem sido marcada por uma retórica hostil, práticas anti-institucionais e pela sistemática erosão dos princípios democráticos fundamentais, como a pluralidade, o respeito pela diferença e a integridade do processo deliberativo.
Este crescimento é tanto mais simbólico quanto ocorre num momento em que o país acabou de celebrar o cinquentenário do 25 de Abril — um marco histórico que instituiu os pilares da democracia portuguesa contemporânea. A banalização de discursos extremistas num contexto de comemoração da transição democrática impõe uma reflexão urgente sobre o atual estado do regime e sobre os fatores que têm alimentado a sua fragilização.
Enquanto professora de ensino superior na área das Políticas Públicas, observo com particular preocupação a forma como falhas persistentes na resposta às necessidades sociais têm contribuído para o alargamento do fosso entre cidadãos e instituições. Esta desconexão alimenta o terreno para soluções políticas radicais, muitas vezes sustentadas em narrativas simplificadoras, emocionalmente apelativas e desprovidas de compromisso com os valores democráticos.
A análise integrada de políticas públicas e do funcionamento institucional permite identificar fatores críticos como o défice de confiança na representação política, a perceção de ineficácia da governação e a crescente desinformação amplificada pelas redes sociais. São estes os elementos que hoje potenciam a ascensão de discursos extremistas e populistas, colocando em risco o equilíbrio e a resiliência do sistema democrático.
Neste enquadramento, é imperativo que os partidos democráticos e as instituições republicanas se articulem em torno de uma estratégia coerente de reforço da confiança pública, de combate à desigualdade e de promoção da literacia cívica. O futuro da democracia depende da nossa capacidade coletiva de transformar indignação social em políticas públicas eficazes, justas e inclusivas.
Ou reforçamos hoje os alicerces da democracia através de políticas consistentes e ação institucional determinada, ou amanhã seremos apenas espectadores do seu colapso silencioso.
* Jurista e docente de ensino superior