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"Escutar é um modo de ver", com Pedro Sottomayor: “Mas depois a coisa começa e um gajo quer é fazer”

Artes

Conhecia o Pedro Sottomayor das fotos que fazia para o GrETUA – Grupo Experimental de Teatro da Universidade de Aveiro e nada sabia dele. Recebe-me na sua casa de Cacia num dia de feira semanal. Pergunta mal transponho o portão: “posso tratar-te por tu?” Sentado à minha esquerda na mesa da sala, este homem de cabelo e barba grisalhos, de 74 anos acabados de fazer, dir-me-á: “andei sempre ao sabor da corrente”. A corrente transportou-o do Porto a Lisboa, a Moçambique, a Aveiro. É dessa viagem, por águas ora impetuosas ora serenas, que fala durante uma hora e meia.

 

Tens um apelido muito aristocrático, um nome de barão, com um duplo t, um y. Queres-me falar do teu nome?

Antigamente havia um banco, o Pinto & Sotto Mayor. Toda a gente pensa logo que tem a ver com o banco, mas não. Costumo dizer na brincadeira que já vendi tudo ao Chapalimão.

 

Ao Chapalimão?

O Champalimaud. A gente lá no Porto brincava com o nome dele. De resto, não tenho grande história sobre o nome. A minha família não é muito numerosa porque o meu pai era filho único e a minha mãe também.

 

Tu és tripeiro...

Sim, sim, do Porto.

 

Os teus pais eram de lá também?

O meu pai era, a minha mãe era de Lisboa. O meu avô esteve a dar aulas na Universidade do Porto, de História. Eu nunca soube muito bem como é que eles se conheceram, mas deve ter sido assim. Havia aquela rivalidade Porto-Lisboa e a mãe da minha mãe não gostava nada… O marido, o meu avô, era professor catedrático e o meu pai era um empregado de comércio. Ela queria um doutor para a filha única. Acho que foi um bocado conturbado. De tal maneira que a minha mãe disse à minha avó “ou eu me caso com ele ou vou para a freira”. E a minha avó teve que se render às evidências.

 

E então tu nasces no Porto na década de 50. Como é que era o Porto nesses anos?

Era um pouco uma aldeia grande. A malta de uma certa classe conhecia-se toda, parávamos quase todos no mesmo sítio. Havia dois ou três cafés… E havia rivalidade da Foz com as Antas...

 

Tu eras de que zona?

Da Foz. Não era bem da Foz, onde é agora a Serralves.

 

Como foi a tua infância?

Foi ótima. Nunca tive problemas com nada, a não ser aqueles que eu criava.

 

Eras um jovem rebelde?

O meu pai era capaz de dizer que sim. Queria usar um cabelo comprido, calças esfarrapadas. Era um bocado hippie.

 

Tinhas algum tipo de consciência política nessa altura?

Não. Em minha casa não se falava de política. O meu pai era pró-situação. Mas não falavam de política. Sexo e política eram temas tabu. A minha mãe era extremamente católica, o meu pai também, um bocadinho por arrasto.

 

O jovem Pedro hippie tinha alguma ligação à cultura?

A única aproximação que tive foi a partir do momento em que me interessei pela fotografia. Foi uma maneira de fixar as coisas que via e que achava bonitas. Eu gostava era de desenhar ou pintar, mas não tinha grande jeito.

 

Esse gosto pela fotografia nasceu com que idade?

16, 17.

 

Nessa altura tinhas alguma máquina fotográfica?

Emprestavam-me. Minha não tinha nenhuma. Quando foi o primeiro festival Vilar de Mouros levei uma máquina emprestada. Tive uma certa sorte porque os meus pais alugavam casa em Seixas do Minho e íamos a pé de casa para o festival. Levei para lá a maralha toda, uns 10 ou 12. Foi uma experiência fabulosa, absolutamente marcante. Foi o nosso Woodstock.

 

Do que é que te lembras?

Lembro-me de algumas coisas engraçadas. O palco tinha 10 ou 15 centímetros de altura e o Elton John, quando chegou, disse “só toco se vocês puserem aqui uma cerca de arame farpado à volta”. Tinha medo que invadissem o palco. Então lá puseram uns paus muito toscos, com arame farpado à volta.

 

Tens registos fotográficos desse festival?

Epá tenho, mas não me correram assim lá muito bem. Tenho umas fotografias um bocado manhosas. O festival foi em 71 e eu tinha estado três meses em Londres uns meses antes. Disse ao meu pai que queria deixar de estudar, andava no 11º, na parte da arquitetura.

 

Estavas destinado a ser arquiteto, é isso?

Era o que eu gostava mais, por causa do desenho. Não foi nada imposto.

 

Os teus pais davam-te liberdade?

Davam. Aos rapazes. Às raparigas, havia duas, já davam menos. Mas aos rapazes largaram-nos no mundo a partir dos 10, 11 anos. A última vez que saí com o meu pai para ele me mostrar alguma coisa foi ao Liceu D. Manuel II. A partir daí… Idas ao médico, tudo… Eles tinham uma vida social muito intensa. E éramos sete filhos. Eu fui o quinto. O primeiro levou muita pancadinha. O segundo já levou menos…

 

E então foste para Londres. Como é que os teus pais reagiram?

Ui... Sabes o que é que eu fiz? Eu gostava muito de Cat Stevens na altura e ele tinha uma música que era o “Father and Son”, um filho a explicar que tinha que seguir o caminho dele. Então eu disse “ó pai, tenho aqui uma música para tu ouvires”. Pus o meu pai a ouvir a música. E ele foi fixe e disse “está bem, se queres ir vai”.

 

Foste para Londres fazer o quê?

Tinha um amigo que ia de carro e andava a perguntar ao pessoal quem é que queria ir com ele. Eu disse “oh pá, eu vou”. O meu pai era sócio de uma casa de eletrodomésticos no Porto, na Rua de Ceuta, e pedi-lhe para ir lá trabalhar um mês ou dois, para ganhar algum dinheiro. Também vendi os meus LP todos de vinil para patrocinar a viagem. E lá fomos. Para curtir, para conhecer o mundo. Uma vez fui ver o Elton John, no Royal Festival Hall. A sala deixou-me maravilhado, com os camarotes inclinados para o palco e tal. Mas ainda trabalhei, a fazer limpezas. A primeira vez que fui fazer limpezas, no apartamento de uma senhora, ela pergunta “então o que costuma usar para limpar os vidros?” e eu fiquei um bocado à nora…

 

E foste chamado para a tropa?

Sim, em 72. Fui para atirador, que é a especialidade normal, carne para canhão. Mas como tinha asma o médico passou uma contraindicação e então tive uma sorte incrível, porque fui para fotografia e cinema. Foi uma volta na minha vida. Fui depois para os serviços cartográficos do exército tirar um curso de três meses de fotografia, de cinema, de vídeo. Fiquei com umas luzes.

 

Esse acabou por ser um momento definidor na tua vida…

Um bocado, sim. Mais tarde determinou o rumo da minha vida. Entretanto pensava que já não ia para o Ultramar mas, já com um ano e meio de tropa, fui mobilizado para Moçambique.

 

Isto já muito perto do 25 de Abril…

Em Setembro de 73. Eu estava em Lisboa, na Secção de Cinema da Defesa Nacional, e fui ao quartel pedir transferência para o Porto. Foi quando me disseram.

 

Como foi essa experiência em Moçambique?

Na altura fiquei danado, não estava a contar. Ainda falei com o meu avô, que estava em Lisboa nessa altura e tinha alguma influência… Mas pronto, acabei por me conformar. E foi uma experiência muito boa, conhecer África. Moçambique foi uma agradável surpresa. O nosso destacamento de fotografia e cinema era uma vivenda num bairro, sem guaritas sem nada, com um jardim à volta, e lá dentro havia a secção de som, a secção de projeção, a secção de fotografia, na garagem fizeram um estúdio de vídeo, de televisão, com máquinas, gravadores, misturadora de imagem… Estava excecionalmente bem equipado… A parte que me calhou foi a fotografia, a reportagem.

 

O que tu fazias era isso, fotografar?

A reportagem e o laboratório a cores. Era furriel da classe sargentos e fazia sargento de dia, mas era para aí uma vez de 15 em 15 dias.

 

Andavas de arma na mão?

Não, não, não. Fiz umas colunas e o pessoal ia armado. Eu levava a máquina de filmar.

 

Então os registos fotográficos dessa altura têm a tua assinatura…

Alguns, sim. De setembro de 73 a dezembro de 74, foi quando lá estive.

 

O 25 de Abril então apanha-te em Moçambique…

Em Nampula. Só soubemos de manhã, era tipo um boato. Só mais ao fim da tarde é que houve a certeza, porque tínhamos um rádio… A ideia foi “a guerra acabou, vamos embora, vamos para casa”. Eu faço anos em maio e tinha marcado férias. E vim, apanhei o Primeiro de Maio, essas coisas assim. Mas ainda estava tudo muito fresco, andava tudo maluco e tal.

 

Mas tu voltaste a Moçambique…

Vim passar as férias e voltei. E ainda ficou lá muita gente depois de mim.

 

Qual era a tua orientação política?

Tenho a ideia do socialismo, estás a ver? As grandes fontes de riqueza de um país são geridas pelo Estado, mas continua a haver iniciativa privada… E sou pela democracia, claro. Lembro-me muito bem do que era não se poder falar. Fiquei feliz com o 25 de Abril.

 

Regressas no fim de 74. O que é que fazes da tua vida?

Aí é que foi o grande problema. Apanhar o 25 de Abril na tropa para mim foi um bocado mau. Eu felizmente não precisei de trabalhar, mas o pessoal que precisava perdia o emprego quando ia para a tropa, tinha que começar outra vez. A malta como eu, que queria era boa vida, nunca pensava em trabalhar antes da tropa. Só que quando viemos da tropa, o jogo estava todo virado. As pessoas que me poderiam arranjar emprego já não estavam nessa situação. A maior parte foi para o Brasil, o meu pai tinha sido posto na prateleira no banco... E não tinha grandes habilitações literárias. Foi um bocadinho duro. Tive uma oportunidade de ir para cameraman da RTP mas quando concorri já pediam o 12º ano. Então fiz algumas coisas. Tinha um amigo que tinha uma oficina de motos e karts, no Porto, e fui trabalhar com ele. Depois arranjei emprego como embalador de louça. E foi aí que conheci um rapaz, um castiço, que era lá da parte financeira e ao mesmo tempo era empresário de artistas - ilusionistas, palhaços, músicos. Fornecia as festas de finalistas e tal. E comecei a andar com ele, a guiar. Foi aí a minha aproximação à música. Ele conheceu o Zé Nabo, três ou quatro músicos, e teve a ideia de os trazer de Almada para o norte, instalá-los numa casa e pô-los a fazer música. Eu gostei da malta e achei piada àquilo. E como tinha muitos slides que tinha trazido de Moçambique, eles tocavam e eu passava slides. Isto em 75. Andei com eles até 76, 77, depois aquilo acabou por não dar em nada. Passámos aventuras incríveis, vivíamos em comunidade… Foi muito fixe.

 

E depois disso?

O Cid soube que eles tinham acabado e precisava de um baixista e falou ao Zé Nabo para ir trabalhar com ele. Passado um mês ou dois fui visitá-lo, a Mogofores, e apareceu a ideia de trabalhar com eles: guiar a carrinha, luz, som… Tipo roadie. O Cid na altura tinha o grupo Cid, Scarpa, Carrapa & Nabo. Tocavam muito em bailes de finalistas, arraiais… E eu embarquei nessa aventura. Até que o Cid decidiu seguir a carreira a solo.

 

Ficaste desamparado?

Ainda trabalhei com o Zé Nabo mais um tempo e depois voltei para o Porto. Fui outra vez mecânico. Mas, entretanto, um empresário de Lisboa estava a fazer uma empresa de som e luz e contratou-me a mim e à minha aparelhagem de luz para ir a Lisboa fazer um concerto de um grupo inglês num estádio, os Pirates. E depois propôs-me ficar na empresa como técnico de luz. Ele trabalhava com vários grupos e músicos. Nessa altura um grupo inglês tinha-nos cá deixado ficar outra aparelhagem, com duas caixas grandes – a gente pousava-as no palco, tirava a tampa, e de baixo, com gás carbónico, saiam duas torres telescópicas com cinco ou seis metros de altura, com 12 projetores de mil watts. Estive uns anos nisso, trabalhei com muita gente – Jorge Palma, Roquivários, Rui Veloso… Adorava.

 

Como era a tua vida nessa altura? Uma vida de boémia?

Dentro da instabilidade havia alguma estabilidade. Estava em Lisboa. Era porreiro porque andava fora dos horários normais. Uma vez fomos a Londres numa carrinha buscar mais duas caixas de luz… Fazíamos concertos, iluminação e som de alguns festivais da canção, passagens de modelos… Tudo o que aparecia.

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Sei que também trabalhaste numa telenovela como técnico de som…

Isso foi depois. Entretanto tivemos um filho e ela começou a torcer o nariz à vida de estrada. E então apareceu essa hipótese de ir trabalhar para as “Origens”, foi a segunda telenovela a seguir à “Vila Faia”. Os estúdios eram em Mem Martins, estava lá o Nicolau Breyner, era um dos produtores. Eu fui para microfonista, com aqueles microfones compridos. Eu estava fora do set, sabia as deixas e quando falava alguém apontava para ele… Às vezes estava enfiado dentro de um balcão de um bar com os atores em cima a conversar…

 

Porto, Lisboa, Moçambique… E Aveiro? Como é que vieste aqui parar?

Depois dessa experiência da Edipim, da telenovela… Eu trabalhava imenso, e mal pago. Apareceu a ideia de fazer uma coisa que eu tinha dito aos meus amigos, à boca cheia, que nunca faria: estar sentado a uma secretária. Fui trabalhar como segurança no Centro de Arte Moderna, em Lisboa. Nem estava em cima nas exposições, estava enfiado lá em baixo.

 

Devia ser um tédio…

Era um bocado, era. Estava sentado a uma secretária com um molhe de chaves na mão... A minha vinda para Aveiro deve-se um bocado a isso, porque eu estava ali – ainda lá estive dois anos e meio – e lia muito, tudo o que me aparecia. Livros, revistas, jornais… E foi num desses jornais que reparei num concurso público externo para fotógrafo da Força Aérea. Concorri e consegui entrar.

 

Para São Jacinto…

Lá dizia Aveiro, não dizia São Jacinto. Mas sim, São Jacinto. Tinha duas hipóteses: ou ia para o hospital da Força Aérea no Lumiar ou ia para Aveiro. Eu queria era ir para o Porto. E pensei “não consigo ir para o Porto vou para Aveiro, que é mais perto”. E também já estava farto de Lisboa. Passar daquela vida sem horários para uma vida em que tinha horários certos, em que apanhava as horas de ponta… Morava na Parede, demorava quase duas horas para cada lado. A minha companheira arranjou emprego no mesmo sítio, mas lá em cima, nas exposições, e às vezes ela saía de casa com o miúdo e chegava ao Cais do Sodré e eu tinha saído do emprego, quando era da meia-noite às 8, e chegava ao Cais do Sodré e ela passava-me o miúdo e ia ela para o trabalho.

 

E então vieste para Aveiro…

Fiquei a perceber que não era bem Aveiro. Mas tudo bem. Ainda tentei ficar no Porto e vir todos os dias de comboio, mas era muito duro. Ainda estivemos no Furadouro um ano mas depois acabámos mesmo por vir para Aveiro, para o Olho d´Água.

 

Fazias o quê na base aérea?

Era fotógrafo. Tinha um pequeno estúdio e fazia as fotografias para o bilhete de identificação militar. Apareciam lá no estúdio, sentavam-se numa cadeira e tirava-lhes umas fotografias tipo passe. Começámos a preto e branco, depois passámos para a cor e por fim para o digital.

 

Ficaste em Aveiro de vez?

De vez. Trabalhei na base 33 anos.

 

Foi o teu emprego mais duradouro…

Foi, de longe. Não era bem a fotografia que gostava de fazer, mas era fotografia. Já não era mau.

 

Mas fazias outro tipo de fotografia, nos tempos livres?

Fazia. Aquele emprego tinhas as suas vantagens – chegava às 5 horas e ia-me embora, chegava a Aveiro às 5 e meia e tinha todo esse tempo até à noite para fazer outras coisas.

 

Fizeste colaborações com jornais…

Com o Correio da Manhã, o Diário de Aveiro. Em part-time.

 

E também te envolveste com associações culturais da cidade. O CETA, o GrETUA…

Isso foi a partir de 95. Entretanto divorciei-me e comecei a fazer as coisas que tinha na cabeça já há muitos anos: exposições de fotografia, cursos de fotografia, na Junta de Freguesia de São Bernardo… Eram coisas que tinha vontade de fazer. E entretanto alguém do CETA soube que eu tinha feito luz para música e não sei quê… E perguntou-me “tu não gostavas de fazer luz para teatro?” Nunca tinha feito, mas fui experimentar. E lá me levaram para o CETA e comecei a fazer luz para teatro. Achei imensa piada, era completamente diferente do que já tinha feito.

 

Lembras-te da primeira peça em que trabalhaste?

Perfeitamente. “Roubaram a lua”, acho que o nome era esse. Com a Ana Salgueiro. Fui para lá a uma semana da estreia e ela tinha de estar ao meu lado. Correu bem e comecei a achar piada àquilo. Fizemos uma data de peças – com a Teresa Grancho, etc. Uma vez pendurámos um baloiço por cima da plateia e pus um projetor no baloiço, que varria a plateia… A Teresa gostava de experimentar coisas, de fazer coisas novas… Foi com ela que ganhei um gosto grande pelo teatro, e por fazer luz para teatro.

 

E o GrETUA?

No CETA concorremos a um segundo mandato mas não ganhámos as eleições…

 

Fazias parte dos órgãos sociais, é isso?

Fui vice-presidente. Em 99 fizemos um grande festival, com 47 espetáculos em 15 dias… Mas entretanto foi para lá outra direção e eu estava um bocado tremido com aquilo. Eu conhecia o GrETUA por causa do festival, porque os espetáculos também foram lá. E duas miúdas que estavam no GrETUA convidaram-me para ir fazer a parte da luz numa peça que estavam a encenar.

 

Quem eram elas?

A Mara e a Carolina. Ainda hoje somos amigos. Duas forças da natureza, com muito carisma. Foi uma experiência absolutamente incrível. Todos se ajudavam uns aos outros. Adorei.

 

Estamos a falar de que ano?

Fui para lá em 2001 e o espetáculo estreou em 2002. O “Café Terrace”. Elas foram pedir umas mesas a uma casa de chá, e as cadeiras em ferro forjado… Lembraram-se de ir lá cravar a esplanada para a peça e foi assim que fizemos o “Café Terrace”, que é inspirado num quadro do Van Gogh. Eu fui o responsável pela luz. Ter ido para o GrETUA foi um grande salto para mim, porque a mesa que eles lá tinham já tinha programação, já gravava memórias, a do CETA não. Para mim foi uma revolução no desenho de luz. E fui ficando. Gostava do ambiente, era malta nova… Até hoje. Agora com menos intensidade, porque é preciso dar lugar aos novos. Já deixei as luzes há uns anos, é mais fotografia. E também fui ator.

 

Ai sim?

Quando o Bruno dos Reis foi para lá, foi uma mudança muito grande no GrETUA. Primeiro porque ele e o irmão, o Nuno, foram os únicos encenadores que começaram a passar lá o dia. Antes, nas outras peças, vinham os encenadores, mas tinham os seus trabalhos normais e só podiam ir lá ao fim da tarde ou à noite. O Bruno e o Nuno gostavam daquilo… Eu já tinha visto trabalhos do Bruno no Estaleiro e tinha adorado as peças dele – em termos de texto, de luz, de som… E ele foi para lá e começou a fazer teatro, aquilo que chamaria teatro semiprofissional. Eles entregavam-se de corpo e alma e as produções já eram mais elaboradas, mais cuidadas. E foi isso que deu muito nome ao GrETUA e que lhe possibilitou evoluir. Começou a vir pessoal do Porto, de Lisboa… Até ali perguntavas mesmo a estudantes da universidade e eles diziam “GrETUA, o que é isso?” Entretanto o João Valentim começou a trabalhar na luz e os desenhos de luz do Bruno começaram a ser muito exigentes. E eu já tinha quase 60 anos e achei muito bem que fosse um gajo mais novo a assumir. Começou a ser bastante difícil para mim… Eu fiquei a tirar fotografias, ajudava nos cenários…

 

E como te tornaste ator?

Foi numa peça do Bruno, “Perguntem ao porteiro”. Um dia telefonou-me e pediu-me para ir a uma reunião por causa da peça. Eu estranhei um bocado. Quando lá cheguei, ele às tantas diz “tenho aqui este papel e acho que tu é que o devias fazer”. Já me tinham tentado várias vezes para ir para o palco, mas nunca me tinha decidido. Achava que não conseguia decorar texto, tenho lá memória para isso. Mas o Bruno e o Nuno dedicavam-se muito àquilo, e ao trabalho de ator, e isso deu-me alguma segurança. E decidi experimentar, estava a precisar de um desafio. Tinha deixado as luzes, andava só na fotografia… E levaram-me para o palco, para fazer de avô do Nuno, com Alzheimer… Foi uma experiência incrível.

 

Estavas nervoso quando pisaste as tábuas do palco pela primeira vez como ator?

A pessoa está sempre nervosa. Temos de nos concentrar muito naquilo que vamos fazer, dou muita importância a isso. Mas sabia o texto, sabia o que tinha de fazer, e nos ensaios tinha corrido tudo mais ou menos bem… Há sempre um nervoso miudinho mas depois a coisa começa e um gajo quer é fazer. Dessa vez fizemos 20 e tal representações. Teve duas temporadas, foi um sucesso. A peça estava uma maravilha. Só tenho pena de não a ter visto como público.

 

E depois fizeste outras peças?

Fiz, todas no GrETUA. A outra que fiz a seguir foi o “Peignoir”, do Bruno. Também foi fixe. Não era bem comédia, mas era mais engraçada. As outras peças dele são mais pesadas.

 

Ainda hoje estás ligado ao GrETUA?

Sim, sim. Agora estou mais desligado. Apareço lá, falo com o pessoal, tratam-me como se fosse o avozinho. Já faço parte da mobília. Ainda tiro umas fotografias, mas é mais para não estar sem fazer nada. Agora anda lá uma rapariga que tira fotografias fabulosas, a Joana Magalhães. Para mim já é mais difícil, até porque dei cabo do menisco e do tendão de Aquiles. O menisco acho que foi a levantar um estrado. Tive de ser operado. Agora há coisas que já não são para mim. É a vida.

 

E o que fazes mais, agora que és septuagenário?

Vivo com o meu filho. Ando a pintar o pátio... Entretenho-me por aqui, faço umas caminhadas… E tenho a secção de fotografia dos Galitos. Já estou lá sozinho há uns anos. Tenho tentado recrutar gente para lá, mas não tem sido fácil.

 

És o responsável da secção?

O meu cargo é vice-presidente da Secção de Fotografia e Cinema Amador. É um sítio com muitas potencialidades. Tivemos alguns projetos engraçados mas agora está um bocado parado.

 

Olhando para os teus 74 anos, foi uma vida preenchida…

Sim, posso dizer que sim. Não foi nada do outro mundo. Andei sempre um bocado ao sabor da corrente. Às vezes acho piada aos miúdos que dizem “eu quero ser isso ou aquilo” e que nascem com uma vocação. Eu não nasci com uma vocação, sinceramente. Andei sempre ao sabor da corrente. Fui-me adaptando. Mas sim, olho para trás e foi uma vida engraçada, com momentos bons, outros menos bons.

 

A conversa termina assim, com este balanço – ainda não final. É verdade que a vida de Pedro Sottomayor perdeu a força dos grandes rios indomáveis e que a corrente é agora mais branda. Mas, antes do fim, que a todos chegará, esse movimento nunca pára completamente.

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