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Das mulheres não reza a história, sempre que esta é escrita por homens!

Opinião Ler mais tarde

A páginas tantas 

 

 

Partilho hoje convosco a boa surpresa que foi ler o livro “Uma mulher sem importância”, de Sónia Purnell. Este livro é, não só a merecida homenagem a Virgínia Hall que assim sai da obscuridade do desconhecimento para as páginas da História mundial, como também é um hino a todas as mulheres que, tantas vezes de forma anónima e na sombra, foram protagonistas dos mais diversos marcos da nossa história.

Sónia Purnell deu-me a conhecer, com este livro, uma Mulher que nos deve orgulhar a todas. Virgínia Hall foi uma das maiores heroínas da Segunda Guerra Mundial e mostrou ao mundo que não há “tarefas” de homens e de mulheres e que a fronteira do género é uma construção cultural.

Este livro é o resultado de uma investigação profunda sobre a vida de Virgínia Hall, mediante a analise de vários arquivos e a recolha de vários testemunhos que permitiram construir esta justa homenagem a Virgínia Hall e, através dela, desvendar o véu para todas as mulheres que a história ignorou. “Este livro é uma tentativa de revelar como uma mulher ajudou a virar a maré da história. Como a adversidade e a rejeição e o sofrimento podem por vezes transformar-se, no fim, em determinação e derradeiro triunfo, mesmo contra o pano de fundo de um conflito horrendo que lança a sua longa sombra sobre a maneira como vivemos hoje.”

Virgínia teve que lutar não apenas contra os obstáculos que lhe foram colocados por ser mulher, mas contra outros obstáculos e preconceitos. Com origem numa família de classe alta americana, Virgínia Hall ignorou as fronteiras geográficas e lutou pela liberdade ao lado dos aliados num país que considerava como seu: a França. Ao combater ao lado dos aliados, Virgínia coordenou uma rede de espiões em várias regiões da França, organizou a receção de armas, explosivos e dinheiro para os resistentes, dinamitou pontes, liderou a fuga de prisioneiros, fugiu do exército alemão durante vários dias e nas condições mais adversas e fez tudo aquilo que a história e o cinema nos mostram que eram proezas atribuídas aos homens. Virgínia mostrou aos colegas da resistência e ao mundo que não há tarefas exclusivas dos homens e que as mulheres são capazes de assumir as mesmas tarefas quando a coragem e a determinação as motivam e, com isso, abriu o caminho para muitas mulheres que a sucederam. “Uma tal tarefa – nunca antes tentada numa escala tão épica, exigiria inteligência militar, diplomacia e força de caráter por parte dos agentes. Tais qualidades eram encaradas como sendo encontradas nos homens; cabia a Virgínia provar que também as possuía.”

É, no entanto, distintivo e digno de admiração o facto de Virgínia ter desempenhado de forma muito eficaz as tarefas dos homens, sem perder a feminilidade que a caraterizava. Virgínia deu sentido à igualdade de género, uma igualdade de direitos sem necessidade de anular a identidade própria e a verdade é que se destacou por isso mesmo. Como dizem alguns daqueles que com ela privaram, “... jamais poderão esquecer esta espantosa figura do exército da Resistência.”  Virgínia aliou a coragem e determinação à correção e educação que a sua educação impunham e apesar de viver num mundo de homens, a sua educação impedia-a de praguejar, assumindo a liderança das operações de uma forma singular “... observou-a a dirigir muitas “atividades de guerrilha (com êxito) com a segurança e o bom humor de uma professora de catequese que prepara um piquenique”.

Embora a resistência francesa tenha contado nas suas fileiras com outras mulheres, reservava-lhes sempre “tarefas de mulheres” e Virgínia destacou-se nas tarefas tradicionalmente masculinas. “Em todos os grupos da Resistência, as mulheres tinham tido de combater os estereótipos relativos à sua presumível fraqueza e, quando aceites de todo, eram-no para realizar tarefas “de mulher”, como cozinheira e remendar.” “Para ela, combater uma boa luta tinha-se tornado um chamamento, não apenas um trabalho, e talvez temesse que a sua deficiência se tornasse uma vez mais um problema sob o olhar dos media.”

Esta heroína da segunda Guerra Mundial foi notável não apenas por ter desafiado o estereótipo de género, mas também porque se desafiou a si própria, não se deixando limitar pela limitação física que a fazia usar uma prótese na anca devido a um acidente que a deixou às portas da morte. Virgínia sempre teve um apelo pelos desportos mais masculinos e arriscados e o acidente que a marcou para sempre aconteceu precisamente enquanto caçava - um tiro atingiu-a na perna, com consequências tao graves que quase a ia vitimando. E foi nesse momento que o pai, que era o seu maior admirador e por quem Virgínia tinha uma grande devoção, que lhe deu forças para superar as dificuldades e se agarrar à vida, lhe disse a frase que parece ter-se tornado o seu mantra: “tu tens a obrigação de sobreviver”.

De facto, ultrapassada essa dura prova, Virgínia sobreviveu e lutou, com todas as suas forças e a enorme coragem e determinação que a caraterizavam e venceu as barreiras do género, da condição física e das adversidades que a guerra a todos coloca e fê-lo de forma tão notável que em setembro de 1945 foi condecorada com a Distinguished Service Cross depois de ter sido procurada durante muito tempo pela Gestapo que a considerou “a mais perigosa de todas as espias aliadas”.

Virgínia estava longe de ser perfeita e de ter tudo a seu favor, mas foi capaz de utilizar as suas falhas e fraquezas a seu favor. “Virgínia era um ser humano com as falhas, medos e inseguranças dos restantes – talvez até mais – mas estes ajudaram-na a compreender os seus inimigos.” Quanto mais conhecemos esta mulher, mais convictos ficamos que durante toda a sua vida nunca baixou os braços, numa se resignou nem desistiu mesmo quando os nãos se repetiam, porque “Virgínia, sendo Virgínia, continuava a achar que tinha mais a provar.”

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Mas se tinha algumas fraquezas e algumas caraterísticas que podiam revelar-se um obstáculo, Virgínia tinha outras caraterísticas de personalidade que a fizeram destacar-se desta forma notável e a sua natureza rebelde e determinada foram essenciais para que se destacasse num mundo de homens e em áreas que eram reservadas ao domínio masculino revelando um enorme entusiasmo e capacidade para as desenvolver, o que gerou algumas antipatias por parte dos homens que eram seus pares e que inclusivamente chegou a chefiar. Foi esta sua capacidade de demonstrar no terreno que era tão ou mais capaz do que os homens que os deixou desconfortáveis com o seu desempenho, erguendo a barreira da discriminação. “De facto, o infame tratamento de Virgínia foi mais tarde citado dentro da CIA como um caso típico de discriminação. “Ela erguia-se bem acima de muitos dos homens que subiram muito mais alto na organização do que ela”.

“Ela “não se submetia com facilidade à disciplina”, como dissera Buckmaster certa vez, e tinha o “hábito de decidir sozinha sem ter em conta os pontos de vista dos outros”.”

E apesar da vida de Virgínia estar encerrada nas páginas da história da Segunda Guerra Mundial, infelizmente não é possível dizer que o preconceito que “quase a ia vitimando” não é passado.  “Talvez sob o brilho da Vitória tenha sido capaz de afastar os seus preconceitos em relação às capacidades das mulheres e reconhecer que Virgínia tinha sido espantosa e abnegada nas suas ações.” Todavia, a ideia de que a vida das mulheres se deve resumir ao pequeno mundo dos filhos, igreja e família, não está ainda ultrapassada. De facto, referem as testemunhas que provaram com Virgínia que “a maioria dos alemães, alimentados com propaganda acerca de como a vida das mulheres devia girar em torno de Kinder, Kirche, Kuche (filhos, igreja, cozinha), presumira que estas figuras frágeis não poderiam envolver-se em algo tao sujo e perigoso como a Resistência.” E se Virgínia deu um importante contributo para a igualdade, ainda há um longo caminho a percorrer, “O chamado Petticoat Panel descobriu que a ideia de que as mulheres eram “mais emocionais e menos objetivas” do que os homens e que não eram “agressivas o suficiente” era, de facto, a norma aceite, apesar das provas em contrário.” Infelizmente estas ideias ainda não estão ultrapassadas.

E se há certeza de que a vida de Virgínia permite confirmar é de que, para as mulheres, tal como para os homens, são os preconceitos e as construções sociais que nos afastam dos nossos limites e é por esse motivo que, quando alguém ousa desafiar os limites merece a nossa admiração. De facto, para todos aqueles cuja maior motivação está nos ideais que nos move, o céu é o limite!!  “O que não diziam – e não podiam ter sabido – era como uma mulher sem esperança, sem perspetivas e aparentemente sem importância tinha ascendido a tais alturas.”

Obrigada, Virgínia, pelas portas que abriste para todas aquelas que não se querem deixar limitar pelos obstáculos.

Boas leituras!

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